- Linda é pouco, ela parece uma famosa, vocês repararam no delineado dos olhos dela? Nunca vi nada tão perfeito! – Sooyoung respondeu antes que eu pudesse me pronunciar.

O que eu iria falar? Eu concordava em gênero, número e grau com tudo o que elas diziam a respeito de Tiffany, mas eu não conseguia exprimir essas opiniões, não para Sooyoung e Sunny.

- Eu adorei a cor do cabelo dela! É um vermelho bem vivo! E a echarpe rosa? Ela é tão estilosa que dói! – disse Sunny.

- Foi por causa da echarpe que ela e a Taengoo se conheceram, lembra?

- Claro que lembro! A história delas duas é muito engraçada... Amiga da Yuri e a outra da Jessica, daí se conhecem sem saber de nada disso. Nova York até soa pequena diante da história de vocês! Parece até que alguém lá do alto mexeu os pauzinhos pra elas irem se encontrando, né Taengoo?

Sorte que eu estava sozinha no banco de trás do carro e elas não conseguiam ver minha cara, que eu estava sentindo ferver. Agradeci por isso.

- Hm... é v... verdade né – respondi.

- Parece que alguém aqui tá morrendo de sono, e não quer saber de falar com a gente... – disse Sunny, referindo-se obviamente a mim.

- Acho que a Tiffany é tão bonita que deixou a Taeyeon meio bobona desse jeito... Ela fica sem jeito perto de unnies muito bonitas... – disse Sooyoung. Agradeci mentalmente mais uma vez pelo fato de estar sentada sozinha no banco de trás. Não queria nem ver minhas bochechas.

- Ela é mais nova do que eu, Sooyoung. E é melhor você prestar atenção nos faróis, não quero ter que ir parar na delegacia a essa hora da madrugada. – respondi secamente. Por que é que as meninas sempre tinham que falar sobre as coisas que mais me incomodavam nos momentos em que eu estava mais incomodada?

- Ela é mais nova e você já ficou assim? Meu deus, não queria nem ver seu estado se ela fosse mais velha! – debochou Sooyoung.

- Se ela fosse mais velha, a Taengoo já teria levado a menina pro nosso apartamento! – Sunny continuou a provocação.

- Meninas, vocês podem pegar mais leve? Estou morrendo de dor de cabeça, e tudo que eu quero é afundar a cara no meu travesseiro, me poupem.

- Tá bom, a gente para de falar na Tiffany, né Sunny?

- Sim, vamos parar de dizer “Tiffany”! T-I-F-F-A-N-Y.

- Hahahaha, Tiffany, Tiffany, Tiffany, Tiffa-ny...

Olhei meu cellular, porque uma parte de mim estava curiosa sobre o que ela estaria fazendo agora, a dona desse tão aclamado nome. Nada.

- Tiffanyyyyy, Tiff, Tiff, Tiffanyyyyy!

- Gente, pode parar agora, tá legal? Acho que vocês é que ficaram mexidas com a presença da Ti... Tiffany, não param de falar o nome dela, e de... e de ressaltar o quanto ela é bonita e etc... – tentei responder no nível delas, e me senti mais estranha do que estava me sentindo ao ser alvo da zoeira delas.

- Sorte a sua que a gente acabou de chegar no prédio, se não a gente ia ficar falando mais e mais “Tiffany” pra você ficar ainda mais feliz! – falou Sooyoung.

Subimos o elevador com elas se acabando de rir enquanto eu tentava disfarçar a loucura que passava pela minha cabeça com uma cara fingida de sono e cansaço. Abrimos o apartamento, e, sem nem dar boa noite para elas, segui pro meu quarto e desabei na cama.

Meu cansaço físico era imenso, não tive paciência nem de olhar o relógio para saber que horas eram, só tirei a roupa de festa, larguei-a no chão e me deitei daquele jeito. Quisera que meu cansaço mental fosse o mesmo do qual minhas pernas sofriam. Tentei isolar meus pensamentos pra dormir logo, virei pra um lado, virei pro outro, e nada. Os acontecimentos dessa noite não me deixavam dormir de jeito nenhum. Para ser mais exata, minha insônia tinha nome: Tiffany Hwang.

Eu.. beijei.. uma... garota. Eu, Kim Taeyeon, beijei uma garota. Eu beijei uma garota que eu havia acabado de conhecer... Eu traí meu namor.. Puta que pariu, gente! Eu tenho namorado! Como eu posso ter me esquecido da existência de Jaemin durante todo esse tempo? Como eu posso ter me esquecido de tudo? Pelo amor de deus, eu estou noiva daquele cara! Eu traí meu noivo com uma garota! É trair, não é? Eu beijei uma pessoa que não era meu namorado, sendo essa pessoa um homem ou uma mulher, não era meu namorado, então eu logicamente o traí... O que eu faço agora? Como eu pude fazer isso em sã consciência? Espera, eu não estava em sã consciência, porque se eu estivesse, eu não teria feito isso! Absolutamente não! Mas eu... Eu tive razões para ter feito o que eu fiz... Eu estava totalmente envolvida por ela, e acho que.. ainda estou.. Ai, não posso pensar nisso! Eu traí alguém! E agora, o que vai ser do noivado? Será que eu deveria cancelar tudo? Ou será que eu estou ficando louca? Eu devo considerar a possibilidade de estar louca, afinal, por que eu estaria atraída, ou seja lá o que for que eu estou sentindo, por uma mulher? Eu sou uma mulher! Vai ver a Tiffany... AAAAAH não posso pensar no nome dela! Só de pensar nesse nome meu corpo me dá um choque! Vai ver ela é algum tipo de invenção da minha cabeça, não é? Só pode ser...

De algum jeito, eu consegui dormir. Eu sei que eu consegui dormir porque o alarme dando o sinal de que já eram sete da manhã me assustou tanto que eu dei um pulo e me senti completamente perdida. Daí eu lembrei de que estava em Nova York e que precisava ir trabalhar.

Não demorou um minuto e eu já me lembrei de tudo que me atormentava. Me arrumei pro trabalho atormentadíssima, por sinal. Como se não bastasse eu me lembrando toda hora de que eu estava cheia de azar, com certeza ao abrir a porta do quarto eu me depararia com minhas sutis colegas de apartamento fazendo graça de tudo e falando o nome dela pra me atormentar mais ainda. Elas não têm noção do mal que isso me faz.

Abri a porta do quarto, fui até a porta da rua, e, milagrosamente, não havia ninguém em casa. Elas já tinham ido embora. Acho que a “pessoa que mexeu os pauzinhos lá no alto” pra fazer toda essa reviravolta com a minha vida resolveu me dar um desconto e me poupar de sofrer mais durante esta manhã, considerando todo o suplício que eu passei ontem desde que entrei no carro.

Desconto confirmado, o carro de nenhuma das duas estava na garagem. Durante o trajeto para a M.A.C, enquanto eu estava parada em um dos milhões de faróis da Quinta Avenida, resolvi checar o celular, por impulso. Uma mensagem. Senti um frio na barriga... Um frio que imediatamente desapareceu ao ver que o nome do remetente não começava com a letra ‘T’.

“De: Zoe Bloom

 Espero que você não se perca hoje, Taey! Seu GPS tá funcionando bem, né? Te vejo em 10min (se você não se atrasar, é claro ^.^~)

PS: Tentei copiar as carinhas fofas que você usa nas mensagens, ficou legal?”

Ela era legal, a Zoe. Mal nos conhecíamos e ela já estava preocupada com a minha chegada ao escritório. Acho que seremos boas amigas, gostei dela. O que não era legal era o fato de eu já ter ‘fama’ de atrasada no primeiro dia de trabalho. Além de atrasada, de perdida... A Zoe deve pensar que eu não regulo muito bem da cabeça... Imagina se ela fica sabendo a razão de eu ter chegado atrasada ontem... Aí que ela vai me achar desregulada mesmo.

Entretanto, o que mais me intrigou e eu não queria admitir pra mim mesma é que: A Zoe já me mandou uma mensagem, deu sinal de vida, lembrou que eu existo, ou sei lá o que uma mensagem de texto pode significar. Enquanto isso, a razão do meu atraso de ontem, que por coincidência é ninguém menos que a razão de toda a confusão no meu cérebro durante as últimas 24 horas, não me mandou nada. Ela devia mandar? Acho que talvez eu estivesse sendo muito dura comigo mesma e... com ela. Como eu poderia estar esperando algo tão improvável? Nem ela devia esperar que eu estivesse esperando isso...

Resolvi esquecer, ou pelo menos tentar esquecer os assuntos que me tiravam do sério e tentei voltar meus pensamentos para os novos lançamentos de verão da empresa, que iriam me exigir muito trabalho. Eu precisava de argumentos convincentes para fazer cidadãs comuns se interessarem por um novo bronzer disponível em 20 cores e por um BB Cream que não tinha uma cobertura daquelas, mas funcionava perfeitamente como iluminador... Ok, essa última parte seria difícil, se a pessoa quer um produto que atue como bom iluminador, é mais fácil ela comprar o próprio iluminador, e não um BB Cream que dentre todas as funções que deveria desempenhar, falha em alguns pontos mas é bom nesse ponto... Quando eu vou comprar um BB Cream, o primeiro fator que me interessa é o grau de cobertura, certo? Quer dizer, pelo menos pra mim. Eu e Zoe ficamos horas tentando achar pontos positivos e atraentes nesse produto novo. Depois de achar os pontos, tivemos que expô-los da melhor maneira possível. Não basta que nossas artimanhas de persuasão façam sentido para nós, elas precisam ser convincentes para as pessoas que lerão os folhetos, cartazes, outdoors, ou que assistirem a qualquer propaganda que a gente tiver elaborado.

Eu gostava de me ver ocupada assim logo em meus primeiros dias. Amo meu trabalho e bem... Trabalhar é um ótimo jeito de me distrair das dúvidas e dos receios que vêm assolando minha cabeça ultimamente.

Após duas semanas sem notícias dela, depois de tanto me martirizar e de me sentir ansiosa à toa, resolvi dar uma folga a mim mesma e procurar mudar meu foco para outras coisas. Até minhas amigas já nem faziam mais gracinhas sobre esse assunto (pra falar a verdade, elas só fizeram gracinha no dia da festa de Jessica), sem contar que eu mal as via, de modo que estávamos todas superocupadas no emprego, e nossas agendas faziam com que nos desencontrássemos bastante. Meu próprio emprego já não permitia que eu tivesse muito tempo livre, assim, quando eu não estava com Zoe e as meninas do escritório, eu estava sozinha em meu quarto, trabalhando no computador, ou sozinha no trânsito, indo para o trabalho, ou para algum outro lugar em que a empresa requisitava minha presença. Jamais eu imaginaria, há um mês atrás, que a viagem que eu faria ‘com as amigas’ para Nova York iria nos deixar tão separadas, ao invés de nos aproximar mais. Minha vida mudou radicalmente, as únicas pessoas da "vida pré-NYC" que permanecem no meu cotidiano, e mesmo assim não tanto quanto eu gostaria, são meus pais, que me ligam razoavelmente; Hayeon, que fala comigo à noite, no Skype, quando não estou atolada de trabalho; e minhas colegas de apartamento, Sunny e Sooyoung. Jaemin tem tentado preservar nosso contato, mas eu o venho evitando. Desde a noite do beijo, eu me sinto desconfortável quando penso nele, e sinto pena dele quando lembro que o traí. Rejeito as chamadas telefônicas, respondo brevemente as mensagens e sempre apareço com uma desculpa quando ele inventa de marcar conversa por Skype. Quer dizer, foi apenas um beijo, mas mesmo assim... Eu senti que pertencia a outra pessoa naquele momento. Eu senti que pertencia a ela, e tive certeza disso, como eu nunca tive antes.

Durante uma tarde de quarta-feira enquanto eu voltava para o prédio da M.A.C após ter ido em uma reunião com investidores no Brooklyn, me deparei com uma cena um tanto familiar. Eu já havia visto essa cena em boates de Seul, e havia presenciado-a em um dos meus primeiros dias em Nova York. Duas meninas de mãos dadas trocando afetos pela Quinta Avenida. Aquilo mexeu comigo. Aquilo mexia comigo. Aquilo mexe comigo, definitivamente. Eu não pude deixar de me lembrar dela. Ok, não era preciso muita coisa para que eu me lembrasse dela, mas ver aquela cena era uma bomba com o nome dela prestes a explodir a 5cm de distância. Chequei minha lista de contatos e lá estava “Fany~ <3”. Pensei em ligar, mandar mensagem... Meu dedo tremeu. Retrocedi. Lembrei de quando trocamos nossos celulares, quando eu havia parado o trânsito inteiro da rua para conseguir chegar até ela a tempo, quando fomos tomar sorvete e eu estava com tanta vergonha que o calor do meu rosto contrastava com o frio do sorvete... Por quanto tempo eu sentiria saudades dela?

Minhas pernas, por vontade própria, me levaram até a sorveteria aonde fomos juntas naquele dia. Naquele único dia em que eu a vi, e que um milhão de coisas aconteceram. Tanta coisa aconteceu e nós nunca mais nos falamos. Será que ela ainda se lembrava de mim?

Falando em lembranças, eu nem sei como eu me lembrei de como chegar à sorveteria, sendo que eu sou péssima com direções e só havia ido até lá uma vez. Eu sou a prova viva de que instintos podem funcionar. Algo dentro de mim dizia que ela poderia estar naquela sorveteria, afinal, ela não conhecia bem o lugar? Ela não o frequentava sempre? Ela trabalhava lá perto, não é mesmo? Se eu tivesse de ir a algum lugar para encontrá-la, eu deveria ir àquela sorveteria.

Entrei na sorveteria, peguei os mesmos sabores de sorvete que eu e ela pegamos da última (e primeira) vez: pistache e avelã. Me sentei em uma mesa e dei uma olhada de 360 graus pela loja. Nada dela. Pois é, acho que meus instintos não funcionam tão bem quanto eu pensava.

O sorvete me proporcionou outros pensamentos além das lembranças. Me fez refletir sobre as coisas que me aconteceram naquele dia. Talvez nem fosse assim tanta coincidência o fato de termos nos conhecido e nos visto várias vezes no mesmo dia. Trabalhamos perto uma da outra, uma hora ou outra acabaríamos nos encontrando, se ela gosta de liquidações e eu também. Do mesmo jeito que eu estava em busca de uma roupa para a festa, ela também estava. Estávamos indo para a mesma festa. Sim, a festa era organizada por um membro da comunidade coreana, e nós somos coreanas da mesma idade. Logicamente teríamos certa tendência a participar de uma mesma confraternização. Os encontros paralelos no meio do dia foram culpa minha. Eu quem saí correndo atrás dela. Eu não tinha nada que ir procurar confusão com a senhora, sendo que eu não tinha nada a ver com a briga, e sobretudo, não tinha nada que ter desviado o meu caminho para ir atrás dela de novo, me atrasando ainda mais para o trabalho. E sobre a noite, bem... A noite é a parte mais complicada. Era uma festa, em festas as pessoas assumem um comportamento diferente do usual, estando expostas a música alta, bebida e gente bonita. Ela poderia muito bem estar bêbada, não poderia? Com certeza ela estava bêbada... Embora seus lábios não tivessem gosto de álcool, pelo contrário... Mas todo o resto leva a crer que ela estava bêbada. Ela era a rainha da pista de dança, nós não... Sem falar que nós não nos desgrudamos enquanto estávamos juntas na pista. Se ela estivesse sóbria, ela não teria ficado tão perto de mim e não teria... bem... feito todo o resto. Se ela estivesse em seu estado normal, ou se ela quisesse alguma aproximação maior comigo além daquela noite, ela teria entrado em contato, não teria?

Mas como ela não entrou em contato depois, e foi tudo muito perfeito, é mais fácil acreditar que foi tudo um conto de fadas. Qual é, eu sou uma mulher adulta, que está noiva e vai se casar em menos de dois anos, já é hora de parar de acreditar em contos de fadas... E eu já tentei por diversas vezes parar de acreditar, abandonar esse pensamento da minha cabeça, mas ele não vai embora.

Qualquer coisa me faz lembrar ela. Até a capa da revista Vogue que a mulher sentada na mesa da frente está lendo me lembra dela, porque ela trabalha em uma revista de moda, que é justamente a Vogue. Eu não aguento mais, preciso sair daqui.