Era uma tarde mansa, o dia estava bem calmo. Estávamos no trem a caminho da praia, depois de Tiffany praticamente me obrigar a ir consigo. Eu não gostava da praia, da areia quente, o sol torrando e depois minha pele ficando vermelha. Mas o que eu não fazia por ela? Para estar com ela e seu sorriso?

– Não fique com essa cara, TaeTae. – Ela disse se referindo a minha cara emburrada, logo apertando meu rosto com as duas mãos, fazendo minha boca formar um bico. Sorriu para seu feito e o tempo passou mais devagar para mim. O som dos trilhos do trem era uma perfeita trilha sonora para aquele momento. Os pássaros cantando dentro daquela paisagem verde ao lado da ferrovia. Tudo parecia se encaixar perfeitamente bem sempre que estávamos num desses nossos momentos em que nossos olhos se encaixavam como um perfeito quebra–cabeça. Em que ela me olhava com tanta ternura e algo crescia dentro do meu peito.

Aquela época era tão gostosa. Sem preocupações, apenas nós e nossa inocência. Doce inocência.

Era apenas sentir, como observar uma flor desabrochar. Éramos flores desabrochando. Juntas. De fato Tiffany era como uma flor. Uma flor rosa, no caso. Sua pele é tão suave como as pétalas de um lírio. Seu cheiro limpo, claro, é idêntico ao de um campo de violetas. Sua beleza, maior que a do mais amarelo dos girassóis.

Hoje estamos tornando-nos flores desbotadas, desgastadas, com algumas pétalas faltando como se alguém tivesse brincando de “bem me quer, mal me quer” conosco. E, talvez alguém tenha mesmo feito isso. Mas eu não permitirei mais. Ninguém mais fará minha flor de cômodo entristecer-se.  

O formoso torso de Tiffany, ainda em fase de crescimento, na flor da sua pré adolescência, se encaixava perfeitamente naquele biquíni rosa. Suas coxas criando volume, seu quadril parecia ter sido moldado à mão de tão perfeito.

 Eu também usava biquíni, mas com um short. Ainda não pretendia entrar na água, então estendi a tanga na areia e me sentei sobre ela.

– Ah, vamos TaeTae. Você não vai ficar aqui o dia todo, né? Qual é a graça de vir à praia e não entrar na água? – Fez seu típico biquinho que me amolecia por inteira. Só havia uma maneira de convencê-la a me deixar ali mais um pouco: fazer um aegyo melhor que o dela!

– Depois eu vou, tudo bem? Só me deixe ficar aqui uns minutos. A viagem me deixou um pouco enjoada. – Juntei as mãos aos lados do rosto, como duas patinhas, fazendo minha melhor expressão de cão abandonado. – Hm, hm?

– Ah, t-tudo bem. E-eu vou na frente. – Tiffany correu para a água meio afobada. Não entendi sua reação, então apenas deitei relaxando a cabeça na mochila e pondo meus fones de ouvido. Coloquei a reprodução em modo aleatório e fechei os olhos.

O sol esquentava levemente minha pele, a areia macia abaixo da tanga, um estado de paz incrível me tomava. Nunca pensei que um dia iria gostar tanto da praia. Certo momento começou a tocar uma de minhas músicas preferidas em anos.

Abri os olhos e vi Tiffany na água, mergulhando por baixo das ondas. Sentei e lacei minhas pernas com os braços, deitei minha cabeça em meus braços e aproveitei o clima.

Just like a star across my sky

(Como uma estrela atravessado meu céu)

Just like an angel off the page

(Como um anjo fora da página)

You have appeared to my life

(Você apareceu em minha vida)

Feel like I'll never be the same

(Sinto que eu nunca mais serei a mesma)

Just like a song in my heart

(Como uma música em meu coração)

Just like oil on my hands

(Como óleo em minhas mãos)

Honor to love you

(É uma honra amar você)

Em certo momento da música, algo pareceu “destravar” dentro de mim. Como quando se avança de fase em um jogo, antes o que era deformado, ganhava sentido. Alguma coisa mudou dentro de mim naquele momento. Aquilo que eu vinha tentando entender há meses. Tiffany sorria dentro da água salgada do mar, apenas seu torço para fora dela. Meu coração palpitava rapidamente. Minha respiração estava estranha.

Ergui minha cabeça rapidamente e jurei ter visto Tiffany me encarando, parada no meio da água, mas virou o rosto assim que encontrou-se com meu olhar.

 

You've got this look I can't describe

(Você tem esse jeito que eu não consigo descrever)

You make me feel like I'm alive

(Você me faz sentir que eu estou viva)

When everything else is au fait

(Quando tudo está enfraquecido)

Without a doubt you're on my side

(Não tenho dúvidas de que você está ao meu lado)

Heaven has been away too long

(O céu esteve afastado faz um tempo)

Can't find the words to write this song

(Não consigo encontrar palavras para compor esta canção)

Of your Love
(Do seu amor)

Meus olhos lacrimejavam, meus lábios entreabertos tremiam. O que era aquilo, afinal? Eu gostava dessa música por sua melodia, nunca prestei muita atenção na letra, porque o violão naquela musica me fazia viajar sempre que a ouvia. Mas agora era como se aquela música fizesse total sentido de alguma forma.

Abaixei os olhos, fitando meus pés que estavam fora do pano, afundando na areia.

I have come to understand, the way it is

(Eu vim para entender, o jeito que é)

It's not a secret anymore

(Não é mais um segredo)

'Cause we've been through that before

(Porque nós passamos por aquilo antes)

From tonight I know that you're the only one

(A partir de hoje à noite eu sei que você é o único)

I've been confused and in the darkness

(Eu estive confusa e na escuridão)

– Taeyeon! – A música foi cortada de repente por uma Tiffany nervosa puxando meus fones. Não que eu precisasse deles pra saber o restante da música. Já a conhecia de cor e salteado.

– Hã? O que? – Perguntei um pouco exaltada pelo susto.

– Já estou te chamando pela terceira vez. Vamos pra água? E nem adianta vir com esse seu aegyo fajuto, dessa vez não vai funcionar.
 

– Oh... Sim. Vamos. – Levantei meio atordoada e guardei meu celular na mochila. Tiffany segurou minha mão de repente, me puxando rapidamente para a beira da água.

Talvez o clima, talvez a atmosfera, talvez... fosse ela, mas areia quente sob meus pés era mais confortável naquele momento do que na ultima vez que vim a praia. O ar era mais fresco, leve.

Alias, fazia um tempo que eu não ia à praia.

Mas ela me tirou de casa, ela me levou a praia.

Ela fez melhorar tudo que há.

Now I understend
(Agora eu entendo)

Música: Corinne Bailey - Like a Star
Eu escrevi esse capítulo ouvindo A Praia, do Cicero, então tem uns 3 versos nesse cap com partes da música.