Notas Perdidas - Leo

Notas Perdidas

A aula foi curta. Mas senti que perdera muita matéria ao mudar-me de escolas. Por momentos desejei voltar a mudar de cidade. Deveria haver uma lei qualquer que obrigasse todas as escolas a dar a matéria ao mesmo ritmo. Como era possível eu ter perdido tanto em apenas um período? O curso era o mesmo! Mas a tive sorte de encontrar o meu curso na escola mais perto de casa. Ainda que tenha de usar os transportes deveria estar agradecida.

Suspirei.

Meti o livro na mala e levantei-me para sair da sala. Talvez fosse boa ideia ligar ao meu pai.

Dirigi-me à porta para a sair mas esta foi aberta no momento que eu ia segurar o manipulo. Dei um salto para trás ao ver que quem a tinha aberto do outro lado era o rapaz que levou um sermão do treinador. Mas este não parecia tão surpreso quanto eu, apenas me ignorou e continuou o seu caminho.

“Leo.” Uma rapariga quase gritou. “Reparei que te esqueceste do caderno, guardei-o para ti.”

“Hum…”, não era difícil imaginar a expressão cara dele ao responder à mesma.

Ela parecia mais feliz por o ver do que ele ao encontrá-la. Já conseguia prever a história entre os dois. Sorri para mim mesma, sentindo pena da rapariga e saí da sala dirigindo-me para fora do edifício.

Precisava do meu horário. Já era difícil o suficiente ter entrado a meio do ano sem conhecer a escola, quanto mais sem saber que aulas teria e onde.

“Sara?” Uma voz fina interrompeu-me enquanto eu marcava o número do meu pai. Olhei para trás apenas para encontrar a rapariga que tinha sido ignorada pelo rapaz de poucas expressões.

“Chamas-te Sara, certo?”, ela sorriu. “O meu nome é Min Ah”, ela continuou, estendendo-me a mão. “Su MinAh”

Olhei para a mão e de seguida para ela, que ainda sorria. “Ah… sim.”, estendi-lhe a mão de volta e sorri com pouco interesse.

“Reparei que chegaste atrasada, com o Leo.” Ela fez uma pausa antes de dizer a última parte. Levantei o sobrolho ao entender o que ela queria dizer e decidi interromper.

“Acho que estás a entender-“

“És nova, certo? Perdeste-te?” Ela cortou-me antes que eu terminasse a minha explicação. Ainda que eu não precisasse de o fazer, senti que devia esclarecê-la.

“Uhm…” divaguei, perguntando-me se deveria explicar o sucedido com a parte em que o seu interesse romântico tinha tido um mal entendido com o treinador ou se deveria omitir esse pormenor.

“Sim…” Disse num tom de dúvida, decidindo manter respostas curtas e objetivas.

Ela sorriu-me e olhou para trás como que procurando alguém. “Chegaste no segundo período por isso não hás de encontrar ninguém que esteja disposto a ambientar-te, como podes ver, está tudo ocupado com os seus próprios dramas.”

Olhei em volta e comprovei que toda a gente parecia ocupada, ninguém sequer reparara no rapaz que acabara de caír no corredor espalhando os livros pelo chão. Olhei de volta para a minha mão que ela ainda segurava. “Estaria ela em posição de falar dos dramas dos outros? “, pensei lembrando-me  da maneira como o rapaz a tratara quando ela apenas tinha tido consideração por ele.

Ponderei se deveria ajudar o rapaz no chão, mas este parecia já estar habituado e pegou os livros de volta continuando o seu caminho. Olhei de volta para a rapariga à minha frente e acenei, concordando com o que ela me dizia.

“Eu explicar-te-ei tudo o que precisas de saber.”, Min Ah entrelaçou o seu braço com o meu e encaminhou-me por entre os corredores mostrando-me todos os cantos da escola que eu precisaria de frequentar mais tarde.

Ainda que eu não partilhasse do seu entusiasmo a energia de MinAh era contagiante e acabei por me divertir nas curtas pausas entre aulas. Descobri que também era relativamente nova, que se mudara para esta cidade no ano anterior, pois o seu pai pertencera às forças militares e após a sua reforma decidiu passar o resto da sua vida na sua cidade berço. A mãe de MinAh trabalhava na direção e tinha mais dois filhos para além dela.

Parecia ter feito uma companheira. Pelo menos não seria marcada como anti-social. Min Ah parecia tudo menos anti-social. O seu cabelo cor de avelã, curto e encaracolado dava-lhe um ar adulto e os seu brincos brilhantes um ar dócil. E não conseguia parar de pensar que os seus olhos castanhos esverdeados eram grandes demais para uma asiática livre de plásticas.

“Lentes.” sorriu.

“Eh?”, interroguei sem pensar, saindo do meu transe.

“Uso lentes de contato, daí o tom esverdeado dos meus olhos. São castanhos.”, ela riu, achando piada a minha reação.

Soltei um riso acanhado, reconhecendo que talvez tivesse ficado demasiado tempo a admirar a sua cara. Talvez tivesse parecido rude.

“Desculpa, dormi poucas horas a noite passada.”, tentei desculpar-me enquanto brincava com uma lata de sumo entre as mãos. “Tenho tendencia a divagar quando não durmo o suficiente.”, encostei a lata fresca à testa, na tentativa de que me acordasse um pouco.

“Não faz mal.”, disse afagando-me ligeiramente o ombro, “podes continuar. Estás à vontade.” continuou com um ar sério.

Olhei para ela tentando perceber se ela falava a sério mas ela já se ria da sua própria piada.

“Não tens jeito para a comédia.”, sorri e continuei caminho para a sala onde teríamos a última aula do dia.

Min Ah apressou o passo para me apanhar e conseguir acompanhar. “Espero que isso tenha sido uma piada.”

Olhei para trás num acenei ironicamente com a cabeça. “Estou a falar a sério, eu penso fazer disso o meu futuro!” ela respondeu-me exasperada.

“Comédia? Queres ser comediante?”, tentei conter o riso.

Min Ah apenas respondeu com um sorriso e por momentos acreditei. Levantei um sobrolho e virei-lhe as costas. “Espero que gostes da vida nas ruas.”, gargalhei e Min Ah juntou-se a mim.

“Não sou assim tão má.” Ela disse, olhando para o seu relógio de seguida. “Faltam dez minutos. Finalmente, só quero ir para casa.”

“Foi um primeiro dia cheio de eventos.”, continuei, olhando para o chão relembrando o dia exaustivo. Nem chegara a ligar ao meu pai. Não foi necessário.

“Uhm? Nem por isso…” a voz da rapariga ao meu lado soou dispersa. “Quer dizer, conheceste-me a mim! Se isso foi um grande evento…”, desatou a rir e eu olhei para ela incrédula, acabando por rir também. “Conheceste mais alguém? Para além de mim, quero dizer…”

Eu percebi onde ela queria chegar, talvez lhe devesse contar tudo para lhe apaziguar a mente. Seria melhor do que deixar isso à mercê da sua imaginação.

“Ahh… sim, acho que se pode dizer que sim.”, comecei, dando tempo à minha mente de organizar os eventos do dia. “Esta manhã, conheci um rapaz,”, continuei.

Min Ah continuava a caminhar a meu lado mas a sua cara fixava os seus pés. Esperava ouvir o seu nome.

“Mas não sei o nome dele.”, ela fixou-me com um ar confuso “, ele apareceu à minha porta. Mas não importa, é confusa a historia.”

“Eh? Mas conta. Talvez eu te possa ajudar.”, ofereceu-se mas eu apenas abanei a cabeça dando a entender para ela esquecer o assunto

“Não. Nem eu sei bem o que se passou.” Ela acenou com a cabeça num sinal de compreensão e continuou a andar. Dei dois passos apressados de maneira a ultrapassá-la e caminhei à sua frente, andando de maneira a ver a sua face e confiando que os meu pés tivessem a capacidade motora de caminhar para trás.

“E quanto ao Leo…” continuei, ganhando a sua atenção de novo. “eu não sei nada sobre ele senão o seu nome.”

Sara sorriu mas rápido o seu sorriso desapareceu ao jogar as suas mão para me segurar. Senti-me tropeçar em algo e caí para trás, embatendo em algo duro.

A única coisa que ouvi foi um suspiro, mas não fora meu.

“Outra vez…” ouvi uma voz incomodada dizer baixo por trás de mim.

As mãos que me seguravam não eram as da minha colega, mas ela não tardou em ajudar-me a endireitar-me.

“Desculpa.” Apressei-me a virar-me para trás e desculpar-me. “Eu não esperava-“

A única coisa que via eram os pés da pessoa, pois eu ainda me encontrava curvada numa vénia, Tampouco tinha coragem de a encarar, mas não foi por muito tempo pois esta já se afastava. Endireitei-me bruscamente e reparei no semblante do rapaz que se dirigia para a sala á minha frente.

Senti-me ligeiramente irritada ao o reconhecer. Leo.

“Que queres dizer com «Outra vez»?”, segui eu, também, para dentro da sala.

Senti uma mão me agarrar pelo casaco quando o rapaz à minha frente se voltou para mim.

Cruzei os braços impacientemente e Min Ah puxou-me, fazendo-me dar dois passos para trás.

“O mínimo de deverias fazer seria aceitar, já que eu me dignei a pedir desculpa. Nem toda a gente tem a decência de o fazer…”, insinuei relembrando o incidente desta manhã.

“Sara…” Min Ah tentou chamar-me a atenção. Encarei-a suspirei, tentando acalmar-me.

“Não deverias simplesmente sentir-te agradecida por eu te ter amparado a queda?” Retorquiu semicerrando os olhos, mostrando-se obviamente incomodado com a minha insistência.

“Podes parar de me fazer perder o meu tempo.”

Terminou virando-me as costas sentando-se na última mesa da sala.

“Agradecida?”, repeti, chocada com o que acabara de ouvir.

“Leo…” a minha colega interviu, na tentativa de fazer o assunto desaparecer, “Falaste com o treinador? Ele anda à tua procura...”.

O rapaz fixou-a mas rapidamente desviou o olhar, ignorando-a mais uma vez.

“Hm. Falei.”, respondeu secamente a Min Ah e continuou vasculhando a sua mala calmamente.

Abri e cerrei a boca incrédula. Não sabia como reagir. Mal o conhecia mas sabia que nunca vira ninguém tão pouco merecedor do respeito de alguém.

“Não vale a pena.” Afastei-me e sentei-me na mesa ao da janela, perdendo-me nos meus pensamentos. Sentia-me irritada. Impaciente.

“Sara…” ouvi Min Ah tentar chamar-me desapontada.

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CaesarCristina
Hi Hii! I'd love to read your opinions on my story, so don't forget to leave you comments!

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