Notas Perdidas - Começar de novo.

Notas Perdidas

O alarme despertou, mas os seus olhos já estavam abertos. Ou talvez tenham estado a noite toda.

Outra noite sem dormir. Mas desta vez, não era apenas mais uma das suas insónias, desta vez havia uma razão. Escola. Uma nova escola.

Ou estaria mais correto dizer... "Outra nova escola."

Mais uma vez, o seu pai havia sido mudado de escola. Algo assim já não se passava há algum tempo.

Sara lembrava-se de mudar de escolas frequentemente quando era criança; o seu pai, que escolhera a carreira de professor, não tinha um emprego fixo, nos primeiros anos e era frequentemente chamado para servir como professor substituto. A sua mãe morrera cedo na sua infância, assim que Sara tinha que seguir o pai para onde quer que fosse.

Imagina uma infância sem amigos. Sara suspirou, olhando para o teto. "Imagina", sussurrou.

Perto do seu 10º aniversário, o seu pai começou a exercer a sua profissão a sério como professor e mudou-se para a cidade onde nascera e crescera. Cidade onde Sara, pela primeira vez desde que se lembrava, assentou, fez amigos e frequentou uma escola por tempo suficiente para que os seus colegas soubessem mais que o seu primeiro nome.

 

“Achas que deveríamos fazer de morango?”

“Não, chocolate. Toda a gente gosta de chocolate.”, dizia ele enquanto juntava a farinha na batedeira.

A cozinha estava um desastre, e as roupas de ambos não pareciam poder ver outro dia depois deste experimento. Mas não importava, pois a cara dos seus colegas ao receber as suas ofertas valeriam a pena.

“Uh. Tens razão.” Sara sorriu de orelha a orelha e afastou-se para procurar as formas de biscoitos. Como sempre, o seu colega estava certo.

Com 10 anos, Sara não sabia muito sobre amizades ou sobre o que haveria para além delas.

Afinal, nunca tivera amigos até agora. Era algo novo.

“Sara!”, ele chamou “são quase horas de eu voltar, para de andar às voltas e ajuda-me. Quantos biscoitos queres oferecer?” Perguntou, concentrado em misturar os ingredientes.

Sara regressou a seu lado e organizou as formas no tabuleiro onde seria distribuida a mistura.

“Uhm…” fingiu pensar.

Mas por mais amigos que fizesse, este era definitivamente especial.

Ele também não tinha amigos. Era carinhoso, amigável e protegia os seus colegas, mas por alguma razão, ninguém se parecia interessar em fazer amizade com ele.

“Um?” Sorriu, olhando para o seu colega. “Só tenho um amigo especial.”

Sara pegou na mistura e começou a distribuir pelas formas de coração.

“Oh? Eu pensei que iamos dar à turma inteira. É dia de São Valentim.” Ele franziu o sobrolho.

“Oppa é o meu único Valentim.” Ela respondeu inocentemente.

 

Ainda que aquele rapaz tenha sido o seu melhor amigo por muito tempo, Sara mal se lembrava da sua cara. Eventualmente acabara por se mudar novamente e nada ficara senão pequenas lembranças de criança. Lembrava-se que naquele dia, depois da sua declaração inocente, ele tinha rido. E o seu sorriso era a única coisa que tinha permanecido intocável na sua memória.

Era um sorriso difícil de esquecer, enorme e brilhante.

Aquele sorriso que ele escondia por detrás de uma figura de peluche. Um tigre. Sim, o tigre que ele arrastava para onde fosse.

O mesmo sorriso que ele fazia quando lhe perguntavam se não se importava de não ter amigos e ele respondia “Não, eu nunca me sinto sozinho.”, enquanto abraçava o seu Tigre.

“Isso é fácil de dizer.” Sara suspirou mais uma vez e afastou as mantas, levantando-se.

Estava de volta a Seoul. Qualquer um diria que isto seria um boa notícia, mas tinham-se passado quase dez anos e Sara já não era uma criança.

Atou o cabelo num rabo de cavalo desleixado e olhou-se ao espelho. Revirou os olhos ao reparar nas olheiras. Perguntava-se se algum dia se livraria delas.

Pegou na roupa que o seu pai lhe tinha deixado em cima da cabeceira e caminhou sem pressas para a casa de banho que dividia com o resto da casa – o seu pai.

Reparou que a cozinha no piso de baixo estava silenciosa. Normalmente por estas horas ele estaria a preparar o pequeno almoço para os dois, mas hoje deveria ter saído mais cedo.

O segundo período começava hoje, sendo um novo professor na universidade ele deve ter assuntos a tratar, supôs.

Apressou-se e vestiu o seu novo uniforme. “Vermelho e azul escuro, que cliché…”, observou-se ao espelho.

Tinha crescido. Um pouco, talvez. A última vez que estivera naquela casa precisava de um banco para chegar a maior parte dos sítios. Quanto mediria agora? Olhou para o seu reflexo. 1,65 talvez? 
Continuava pequena, mas havia definitivamente mudado.

O seu cabelo castanho e ondulado estava longo, abaixo dos ombros, os seus olhos maiores, castanhos e brilhantes, e a sua cara… bom… as olheiras já faziam parte de si, mas não lhe escondiam a feição de mulher.

Passou corretor nas olheiras e maquilhou-se apenas o suficiente para disfarçar as suas inseguranças.

Pelo menos para afastar a atenção delas.

Ainda que esta fosse a cidade a que o seu pai sempre chamara de casa, Sara nunca a vira como tal. Embora fosse a cidade onde pela primeira vez fizera amigos, era apenas mais uma das tantas por onde passara.

“Casa.” Sussurou por entre um riso abafado. “É preciso haver uma família para haver uma casa.” Disse empurrando a maquilhagem para o fundo da gaveta.

“Não conheço uma alma nesta cidade.”, continuou começando a sentir-se ligeiramente irritada com o facto de estar no desconhecido novamente.

Desceu as escadas tentando se lembrar das ruas e estradas deste lugar, e juntando as direcções que o seu pai lhe tinha dado a noite passada.

“Boa.”, suspirou aceitando o facto de faltar à primeira aula da manhã, prevendo não encontrar a paragem de autocarro.

Saiu de casa e prendeu a placa com o seu nome no casaco fino do uniforme.

“Choi, Sa-Ra.”

Uma voz grossa interrompeu os pensamentos de Sara.

“Fácil de lembrar.” O rapaz sorriu e inclinou a cabeça fazendo sinal para ela o acompanhar.

Surpresa, Sara ficou plantada no mesmo lugar. Aquele sorriso não lhe era estranho.

O rapaz moreno parou e olhou para trás, onde ela tinha ficado.

“Então?”, ele questionou, ficando sério. “Vou chegar atrasado por tua culpa.”

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CaesarCristina
Hi Hii! I'd love to read your opinions on my story, so don't forget to leave you comments!

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