Capítulo 2

Entre Dançarinos e Médicos

Jessica tentou ignorar a expressão de surpresa e indignação que via na melhor amiga agora. Ela nem sabia por que havia contado a ela sobre o encontro na noite anterior, já que ela havia se decidido manter em silêncio. Talvez por que por maior estardalhaço que a amiga fizesse, elas ainda eram melhores amigas do tipo que contavam tudo uma à outra.

Ela e Taeyeon conheceram-se ainda na ta série, crescendo e se descobrindo juntas. Taeyeon foi a maior força do lado dela quando teve problemas para a família aceita-la. Taeyeon foi quem sempre ouvira seus problemas mais profundos, ninguém mais. Jessica sentia-se segura em poder contar com sua companhia, sua proteção, compreensão. Ela sabia que teria a seriedade da amiga sempre que o assunto exigisse, mas havia uma área da vida dela que Taeyeon não conseguia ser muito séria a respeito.

E esta área era justamente a sentimental. Deixar a danshin saber que ela quase praticamente ignorou uma garota como aquela na noite anterior, era pedir para levar um sermão. E era justamente isso de que ela estava sendo vítima agora.

- Jung Sooyeon, uma garota te canta descaradamente, deixando uma rosa, local e horário de encontro e você me diz que não vai? – a menor tinha a voz levemente alterada. – Ah não, você vai nem que seja arrastada!

- Eu não tenho interesse, Taeyeon. – a mais nova suspirou levando uma mão à testa, arrependida já de ter tocado no assunto.

- Sica... – Taeyeon baixou a voz tentando ser mais compreensiva. – Você está muito envolvida em trabalho, e eu sei que você lutou muito para chegar até aqui, que sofreu muitas críticas e quer mostrar ser capaz, mas olha...

A baixinha segurou a mão da amiga entre as suas e procurou ser sincera ao encará-la nos olhos.

- Ninguém vive só de trabalho. É a sua paixão, mas você mesma se queixa de sentir algo faltando... – a amiga suspirou. – Eu não posso te dar tudo, Jessica. Sei que sente falta de alguém com você...

- Eu não tenho tempo pra isso, Taeyeon... – Jessica bufou, irritada, retraindo a mão.

- Tempo? Eu não estou pedindo para casar com ela! E só porque não dá tempo pra isso... – brincou ganhando um olhar repreensivo da outra. – Mas sim, eu estou pedindo para dar uma chance de sei lá,ao menos um dia na vida você se permita viver um pouco de romance... Faz bem sabia? Estudamos Medicina e sabemos disso.

Jessica não respondeu, encarou a amiga por alguns segundos, praticamente derrotada, antes de ouvirem alguém chamando por trás.

- TaeTae, Jessi... – As duas se viraram para a dona da voz, toda em branco, parando na porta. – Precisam de nós.

- Estamos indo. – A menor respondeu observando a outra sorrir e se retirar, e mesmo com a saída desta continuava com um sorriso besta na cara.

- Eis aí um dos bons motivos para não querer me apaixonar... – Falou Jessica atraindo a atenção ainda meio fora de órbita da outra. – As pessoas andam por aí com cara de idiotas.

Disse levantando-se da cadeira e passando pela menor, que ria abertamente sem se importar a mínima com a crítica recebida.

- Ah Tiffany Hwang... – cantarolou provocativamente o nome da que acabara de deixar a sala. – Eu ainda vou ouvir você suspirar por aí o nome da... Como é o nome dela mesmo?

- Pare! – ordenou a morena ouvindo a amiga rir por trás, fechando a porta da sala em que estavam.

- Às 20h esteja lá, Jung Sooyeon, não esqueça!

Jessica bufou, observando a baixinha desviar do caminho indo atrás da morena que há pouco as chamara. Irrecuperável, pensou.

***

“Vamos mais uma vez”. O coreógrafo dissera, reiniciando o treino. Hyoyeon estava cansada, mas não demonstrava. Anos e anos de treinamento permitiam que ela ainda virasse a noite dançando, tinha energia e preparo o suficiente pra isso. Colocou-se em posição e iniciou a dança.

Jessica tentava se convencer de que não tinha motivos para estar ali. Conheceu uma garota em um ônibus em menos de 24h e lá estava ela, atendendo ao convite de comparecer ao teatro antes inclusive do horário combinado. Devia estar parecendo uma desesperada, certo? Mas a verdade é que seus horários não permitiam que comparecesse na hora certa, e Taeyeon iria tornar a vida dela um inferno se não fosse.

Então lá estava ela, no teatro indicado, às 17h, aproveitando sua hora de folga, procurando por uma certa loura, escondida o máximo possível da visão daquelas pessoas. Sério, o que ela estava fazendo ali? Suspirou... E sem muito esforço localizou a garota, Kim Hyoyeon, destacando-se imensamente em meio àquele enorme grupo de dança.

Era uma das danças mais importantes da apresentação, e que mais esforço exigia pelo seu ritmo frenético e complexidade, mas fazendo jus ao título de melhor dançarina da companhia Hyoyeon tirava de letra, executando os passos de forma impecável.

Não era, no entanto, a dança impecável que chamava atenção. Ou o fato de que ela notavelmente era bem melhor que todos ali, era algo que a princípio Jessica não sabia explicar. Talvez a expressão concentrada, o total domínio do corpo, a incrível sensação de que ela se perdia no que fazia, entregando-se por inteiro. E a beleza... Como era belo vê-la dançar...

Jessica baixou a vista por alguns segundos pensando nela mesma. Os mesmos monstros da insegurança a atacando. Hyoyeon parecia ter certeza do que queria, Jessica sempre achou a Cruz Vermelha sua grande paixão, mas não conseguia achar o entusiasmo que julgava dever existir. Ela estava fazendo tudo certo, no entanto... O que estava dando errado para a vida dela de repente parecer tão vazia mesmo à beira da realização de um sonho?

Levantou a vista ao notar que a música parara. Sua visão rapidamente voltou a fixar-se na loura.

Ela e os outros dançarinos estavam mais que prontos para a apresentação da noite.

“Ok, descanso todo mundo. Estejam todos aqui de volta em duas horas, vamos fazer outra noite inesquecível para os ingleses”. Os dançarinos bateram palmas incentivando-se mutuamente e dispersaram cada um buscando suas mochilas e roupas. Hyoyeon desceu do palco buscando uma garrafa d’água que deixara perto da bolsa em uma das cadeiras.

- Te dou minha vida em troca de entender como você faz para ter uma garota como aquela – uma morena parara ao lado de Hyoyeon apontando para alguém parada próxima à entrada. – secando você dos pés à cabeça.

Hyoyeon levantou a cabeça na direção indicada e sorriu largamente ao ver a pessoa que a esperava.

- Até eu me sinto desejada só com a proximidade que estou de você. – a mais alta brincou.

- Sossega Sooyoung, é só uma amiga que fiz ontem. – disse Hyoyeon acenando, tomando um gole d’água e voltando a guardar a garrafa na mochila, preparando-se para ir ao seu encontro.

- Amiga é? Pode me apresentar então?

- Vai tirando o cavalinho da chuva. – Hyoyeon sorriu se distanciando.

- Ya! Ao menos me dê uma dica, ó Don Juan.

Hyoyeon olhou divertida para a amiga que já tinha um bolinho, tirado Deus sabe de onde, em mãos.

- Coma menos. – disse apontando o bolinho.

- O que isso tem a ver? – Sooyoung levantou uma sobrancelha desconfiada.

- Garotas gostam de sentir que não serão trocadas por um bolinho a qualquer momento.

- Ya! – a morena gritou, mas Hyoyeon já virava as costas acenando e aproximando-se da garota na saída.

- Quem é ela? – perguntou uma morena aproximando-se da Shikshin.

- Não sei. – a mais alta respondeu olhando reflexivamente para o bolinho em mãos. – Yul, você acha que eu te trocaria por um bolinho?

Yuri olhou para ela com um ar confuso.

- Am... Acho que fez a pergunta inversa.

- Como assim?

- Devia perguntar a ele, faz mais sentido.

Yuri pegou sua mochila e voltou a subir no palco para organizar suas coisas. Sooyoung voltou a olhar o bolinho num olhar reflexivo e então suspirar.

- Hyoyeon tinha razão. – murmurou dando uma mordida.

***

- Hi - Hyoyeon aproximou-se com um sorriso curioso no rosto. – Veio cedo.

- Ah é, desculpe se atrapalhei. Eu realmente não tinha como vir no horário combinado... – Jessica sentia o rosto ficar escarlate na velocidade da luz, mas tentou ignorar. – Eu trabalho à noite.

- Bom, então não vou deixar você dar viagem perdida.

Ela abrira um sorriso brilhante enquanto silenciosamente a convidava a saírem do teatro juntas. As duas andaram alguns passos sem dizer palavra. Os postes de Londres começavam a acender aos poucos, preparando-se para a noite que chegava, mas o céu ainda estava bem alaranjado então levaria um tempo.

Por incrível que pareça, o silêncio daquela vez não incomodara Hyoyeon. Ela que detesta as coisas muito quietas, andava tranquilamente pela calçada ao lado da morena, que por algum motivo mantinha a cabeça baixa.

Jessica estava um pouco desconfortável. Desconfortável de poder estar se passando por idiota ou algo do tipo... Ela preservara tanto sua imagem profissional, de quem não está ali para brincar, e jogou tudo fora em dois dias por causa de uma coreana com impressionante habilidade de tirar rosas por trás de orelhas.

Sem querer riu um pouco da lembrança, mas a parceira ao lado não disse nada. Resolveu quebrar o silêncio constrangedor para ela, até para passar por cima do fato de que estava sorrindo com lembranças de uma garota, na presença da mesma...

- Você dança bem. – disse sem levantar a cabeça.

- Obrigada. – sorriu observando a morena ao lado. - É uma pena que não possa vir ver o show.

- Eu realmente tenho coisas pra fazer...

Jessica não terminou de falar, sobressaltando-se ao sentir a mão da outra segurando a sua sem cerimônia e puxando numa direção específica. “Vem”, ela disse tendo cuidado ao atravessar a rua e levando-a até uma ponte próxima, finalmente soltando-a. Jessica a olhava curiosa.

- Adoro esse lugar. Desde que viemos fazer as apresentações que gosto de vir aqui sempre que é hora de descanso. – disse ela circulando tranquilamente pela ponte.

Jessica olhou para os lados observando o lugar, uma sobrancelha levantou-se na direção da loura.

- É só uma simples ponte... – Disse não contendo um pouco o riso.

- Por isso gosto dela. – disse ganhando um olhar questionador da outra. – Por ser simples, posso fazer dela o que quiser. Ninguém pinta sobre quadros já pintados... Mas é possível criar numa palheta vazia.

- É sempre tão otimista assim? – perguntou Jessica com certa ironia.

- Não... – a loura parou dando um sorriso sincero. – Na verdade mudo de humor como quem muda de roupa. Ninguém é perfeito.

Jessica calou-se pela enésima vez desde que a conhecera, reflexiva. Observava com um tom de incredulidade aquela jovem dançarina profissional girar naquela ponte de cabeça erguida e olhos fechados, ao som de alguma música invisível, como se não já não tivesse passado o dia dançando.

- Você não cansa nunca? – perguntou com as mãos enfiadas no grande casaco. – Passou o dia dançando.

- Dançar é minha vida.

Aquele brilho no olhar era talvez coisa de outra dimensão. Outra realidade que Jessica não conhecia. O sorriso em seu rosto era fraco, perdida em pensamentos.

- Ser médica é sua vida?

A pergunta pegou Jessica meio de surpresa. Ela a olhou bem antes de responder.

- Me preparo pra isso desde criança... Deixei muitas coisas de lado pra estar aqui.

- Está valendo a pena?

Hyoyeon sabia que tinha algo fora do lugar com aquela garota. O rosto triste, o olhar perdido mesmo que parecesse tão certa do que queria... Hyoyeon tinha a natureza de querer ajudar, mesmo que fosse tão difícil.

Jessica não respondeu em palavras. Ela quis, mas a total falta de certeza na resposta que daria fez com que ela acabasse simplesmente por afirmar com a cabeça.

- Não parece. – Hyoyeon foi incisiva, fazendo a morena erguer um pouco as defesas. Era a primeira vez falando sobre aquelas coisas com alguém que não fosse Taeyeon, e ser colocada contra a parede por alguém que mal a conhecia não era agradável. – Talvez não seja exatamente isso que queira?

- É exatamente isso que quero. – Jessica levantou um pouco a voz inconscientemente, desculpando-se com o olhar e voltando a baixa-la. – Só não... Só devo estar cansada. É um trabalho muito exaustivo.

- “Trabalhe no que gosta, e não terá que trabalhar um dia na vida.” – Hyoyeon sorriu, atraindo a atenção da morena. – Confúcio.

- Nem tudo é diversão. – disse Jessica consternada. – Salvar vidas exige seriedade.

- Salvar vidas exige também coração. Tão importante em qualquer profissão, e mesmo a dança.

- Sem ofensa, mas... Dançar não salva vidas. – Jessica riu um pouco ironicamente.

Hyoyeon parou a alguns passos dela. Um olhar cuidadoso.

- Dançar salvou minha vida. – disse num suspiro. – Há sempre mais que o corpo, é preciso também a paixão.

Jessica viu a loura se aproximar, tão perto que mais um passo e seus corpos se encontrariam. Os olhares se fixaram um no outro.

- Se não amar o que faz, não importa o quão saudável seja, se sentirá vazia e triste... – Hyoyeon levou uma mão ao rosto da outra, acariciando-o de leve.

- Eu amo o que faço. – Jessica afastou-se do toque bruscamente.

Tal proximidade não estava nos planos e a pegara de surpresa. Não podia negar o coração batendo mais rápido, mas podia negar suas convicções sendo abaladas. Ela batalhara por anos a fio para chegar ali, se aquilo não era amor pela profissão, o que era mais?

- Não confunda dedicação com paixão. – a loura falou mansamente - A dedicação não necessariamente exige coração e sim profissionalismo, o que você tem de sobra. Paixão é arte, é criatividade, é o que faz a diferença.

- Você fala como se tivesse toda a autoridade do assunto! – zombou Jessica.

- Eu tenho autoridade no assunto que amo. Tenho autoridade sobre a minha dança. – disse a outra com firmeza. – Você tem autoridade sobre a sua medicina?

Hyoyeon voltou a se aproximar, mas a morena manteve distância.

- Eu curo pessoas. – Jessica falou com emoção na voz. – Elas chegam ao hospital às vezes com a vida por um fio. Eu descubro o que está errado e conserto. É o que elas esperam de mim.

- E o que esperam as que não podem ser salvas?

A pergunta não pareceu fazer eco em Jessica, que a olhou confusa sem saber o que ela esperava que respondesse. Hyoyeon notou tal confusão, explicando-se melhor.

- E as que entram no hospital por um fio, sabendo que estão prestes a morrer, mas nada veem além de pessoas vestidas de branco usando termos técnicos que ela desconhece? E entendendo que talvez aquelas sejam as últimas pessoas que irá ver em vida, não os amigos que naquele momento fazem a maior falta...

Jessica sentiu-se recuar. Cruzou os braços sobre o peito como se sentisse frio, captando aquelas palavras que pareciam tão, tão pessoais.

- O que elas esperam de você, Jessica?

Hyoyeon virou as costas sem esperar resposta. Era quase como se ela soubesse que Jessica não tinha a resposta para aquela pergunta. Uma coisa Jessica notara, ofendera intensamente aquela garota que definitivamente não merecia. Insegurança.

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Segundo dia se foi, como será que as coisas vão se desenrolar no último dia? Espero que estejam gostando! ^^ Muito obrigada pelos comentários *-*