Apocalipse

A Soldada do Fim do Mundo

Tudo se tornou, finalmente, compreensível. O mundo, que antes era um quebra cabeça apocalíptico, parecia agora claro e óbvio. Isso depois de Seulgi me explicar tudo que viu… E tudo que eu vi.

Primeiramente, a névoa. Apesar de eles se comunicarem e perceberem o mundo através de outra dimensão, a nós primariamente indetectável, grandes distúrbios energéticos nessa dimensão geram imagens visíveis aos humanos normais. É isso que acontece quando Seulgi usa sua Marca e uma luz dourada aparece; também é isso que forma a névoa. Aparentemente, quando a comunicação entre eles se torna muito intensa, surge essa névoa. E é o que Jormungand fazia - funcionava como uma central de comunicações para todos os seres que estavam na Terra a fim de destruir a humanidade. Aparentemente, seu posicionamento no Catorze foi baseado no fato de que ele é mais central em relação ao resto do Centros Humanitários.

“Que sacana, não é?”, ela notou depois de me dizer isso. “Ele basicamente destruiu tudo que eu tinha só porque queria um lugar melhor pra mandar mensagens… Parece piada.” E riu friamente.

Para bloquear minha visão da névoa, o que ela fez foi me conectar a sua Marca - assim, eu perceberia apenas as informações provenientes dela, e não mais veria o sinal bagunçado dos monstros em forma de névoa. O que ela não esperava, é claro, é que durante sua investigação da Jormungand ela deixaria sua Marca tão ativa que ela chegaria ao ponto de me sugar para dentro dela - o que me fez experienciar suas memórias. “Eu nem mesmo sabia que isso podia acontecer”, ela disse. “Bem, foi… Interessante”, respondi, sem graça.

Depois de se acomodar no Catorze, Jormungand se acomodou ali e suga a energia ainda presente nos vários geradores do centro (e também proveniente das placas solares) para ser algo como um “servidor” pra eles.

“Mas pra quê?”, perguntei quando ela me disse isso.

“Pelo motivo mais óbvio… Exterminar a humanidade da face da Terra.” Na verdade, aqueles monstros eram algum tipo de arma biológica.

“Alienígenas?”, perguntei.

“Não, nós mesmos. Uma arma biológica feita por um humano para nos destruir.”

Ela havia conseguido extrair basicamente toda a história deles. Uma super-potência aparentemente havia financiado um enorme programa que queria utilizar todos os avanços em todas as áreas das ciências, desde biologia até física, para criar uma arma final, completamente incapaz de ser rivalizada. E daí surgiram os “monstros” - seres vivos replicantes, capaz de utilizar informações de dimensões não visíveis por humanos, mas supostamente controlados por um código centralizado. A arma perfeita.

Até um dos desenvolvedores desenvolver um vírus que corrompia esse código e, então, tornar essas armas em uma ameaça para o mundo todo - incluindo o próprio governo que as desenvolveu. Depois disso, eles se melhoraram, adaptaram suas táticas e foram capazes de, basicamente dizimar a humanidade.

“E depois que não houver mais humanos para matar?”, perguntei.

“Eles não têm outra ordem em seu sistema. Nem sabem quando seu trabalho está terminado. Provavelmente vão continuar vagando pela Terra eternamente, procurando humanos mesmo quando eles não mais existirem.”

Era verdadeiramente deprimente. Tanto para nós quanto para eles.

No final não foram aliens, apenas nós mesmos. Os únicos capazes de nos destruir… A própria humanidade. Isso passava pela minha cabeça mil vezes por segundo. E minha mente girava, sem ter onde se segurar…

Nós nos direcionávamos agora para um tipo de “aglomeração” final que eles pretendiam fazer. Segundo Seulgi, eles haviam percebido que já haviam se replicado o suficiente para, se unidos, serem capazes de liberar uma onda de energia suficiente para matar todos na Terra. E agora, sem saber muito bem o que fazer, íamos lá. Talvez para ver o fim do mundo.

Aos nossos lados, os monstros (ou armas) corriam para a mesma direção. Eu não sabia muito bem o que sentia… Era tudo muito surreal. Novamente. É engraçado - antes de conhecer a Seulgi, eu conhecia e entendia muito pouco do mundo. E agora que o entendo mais que nunca, ele parece mais bizarro ainda.

Talvez o mundo seja um quebra-cabeças, mas sua imagem final seja tão bizarra que é melhor deixar o enigma incompleto.

Eu me perdia em meus pensamentos… E Seulgi, com certeza, perdia-se nos dela. Pelo menos, nós duas estávamos mais conectadas que nunca. “Entrar” nela me proveu mais do que simples informação; era como se sentir na pele tudo aquilo tivesse me dado uma compreensão única de seus sentimentos. Eu não simplesmente sabia quem era Seulgi, eu senti o que é ser Seulgi. E apesar de minha vida também um tanto confusa, não é uma experiência que recomendo.

Após um tempo dirigindo, a névoa começou a se tornar densa. “Estamos nos aproximando… Onde posso te segurar?”

“C...Como?”, perguntei. Ela estava com medo?

“Eu não estou com medo…”, e riu. Ah, é. Ela lê meus pensamentos. “Você não vai conseguir dirigir se a névoa começar a ficar muito densa. Lembra que quando estamos fazendo contato físico consigo desfazer a névoa pra você?”

“Ah, bem… Pode ficar pegando no meu pescoço… Acho.”, disse, sem graça. Ela então tocou sua mão fria em meu pescoço quente. Recuei ao toque inicialmente pela diferença de temperatura, mas ela manteve a mão lá.

“Não gosta de ser tocada por uma mulher?”, ela disse, como uma brincadeira. Não pareceu uma brincadeira. Também não respondi. O ambiente no carro tornou-se silencioso por um longo período após isso.

Após um tempo, mesmo com a ajuda de Seulgi, eu sentia o ar opressivo que tomava o ambiente ao nosso redor. “Eu nunca presenciei algo do tipo… São tantos…”, ela murmurou. Respirar começou a se tornar mais difícil e meus membros pareciam mais pesados. “Desculpe, não posso fazer muito sobre isso… A sensação física que você sente provém da alta densidade de informações sendo trocadas entre eles. Posso tirá-las de sua visão, mas não posso fazer muito quanto a o que elas causam ao ambiente físico ao seu redor.”

“Tudo... Bem”, eu disse, com dificuldade. No horizonte conseguíamos já ver uma figura colossal de forma indescritível. “É… Aquilo… O…”, eu tentava dizer as palavras, mas era como se o ar ao meu redor fosse pesado demais para meus pulmões.

“Não tente dizer nada”, Seulgi disse, em minha mente. “Pense e eu vou lhe responder. Sim, é aquilo. A arma final que…”

E antes dela terminar sua frase, uma imagem veio em minha mente.

O centro onde a Seulgi morava. A destruição.

“O que foi isso?”, gritei em minha cabeça.

“Eu também não…”

Novamente, a mesma imagem. De repente, eu havia me transportado para lá. Um monstro vinha em minha direção, eu tentava desviar e…

Quando finalmente dei conta de mim, o carro havia capotado. Ao meu lado, liberava uma luz amarelada - ela havia usado sua Marca para nos defender. Só pelo seu olhar eu já entendi - aquilo era nosso fim. Seu uso intenso da Marca provavelmente havia nos revelado para todos os provaveis milhares de monstros ao nosso redor. Seulgi…

“Tudo bem. Tudo bem. Vai ficar tudo bem. Vamos sair do carro. Vem, me segue.”, ela disse, tentando me acalmar.

Após tirar o cinto de segurança, fui me arrastando pela janela do carro. Seulgi me ajudava, já fora do carro por ter ajuda de sua Marca. Eu chorava e não conseguia evitar: era ali que eu ia morrer. Distante de tudo e todos. Pelo menos eu tinha alguém ao meu lado… Alguém que eu havia aprendido a gostar. Uma amiga, talvez era essa a palavra que eu procurava.

“Me… Desculpa…”, eu sussurrava com dificuldade no ouvido dela.

“Tudo… Bem.” ela me respondia. Percebi que ela também chorava.

Na distância, dois pontos brilhantes vermelhos surgiam. Ele olhava para nós.

“Me… Abraça.”, disse Seulgi. Eu a abracei e imediatamente senti o poder de sua Marca fluir. De repente, um urro e, em seguida, um raio de energia direcionado a nós. Abracei Seulgi com ainda mais força.

 

-x-

 

“Filha, acorda.”, ouvi minha mãe dizer.

“Mãe?”, perguntei. Eu estava prestes a morrer e agora… Estou na minha casa?

“Você vai se atrasar para a escola”, disse ela, enquanto batia na porta. Levantei correndo e a abri. Ela não estava mais ali. “Mãe? Cadê você?”

“Filha, tô no banheiro! Agora se apresse. Se você se atrasar eu vou ficar brava.”

Fui então para a escola após pegar um pedaço de pão.

No caminho, encontro uma menina. Ela é bonita… E está com o mesmo uniforme que eu. Mas nunca a vi na escola. Aproximo-me.

“Você também é da minha escola?”, pergunto. “Sim”, ela responde timidamente.

“Meu nome é Wendy! E você?”

“Seulgi.” Pego o braço dela e a aproximo de mim.

“Vamos juntas, então!”, respondo, animada.

O caminho para a escola é pequeno e logo chegamos lá. Pergunto para Seulgi de que sala ela é e descubro que ela é a da mesma que a minha. “Mas como nunca te vi lá?”

“Eu sou nova aqui.”

“Bem, eu vou te mostrar tudo que tem de legal aqui.”, sorrio. Ela parece feliz também. Pego-a pelo braço e a levo para ver cada parte do colégio. O laboratório, a quadra, as salas, o terraço. Depois vamos até a sala.

Ao final do dia, trocamos números e me despeço. Antes de dormir, converso com ela. “Que garota legal.”, penso.

Alguns meses se passam em que não paramos de conversar uma com a outra. Vivemos juntas a todo momento, como duas partes de uma só pessoa.

É o último dia de aulas. Finalmente! Férias. Vou passar cada minuto com ela. Vamos conversar tanto… “Ei, Wendy”, Seulgi me tira de meu transe. “Vamos ao terraço. Preciso conversar algo contigo.”

“Tudo bem!”, respondo, sorrindo. Ela é tão bonita! Queria ser bonita como ela. Vamos ao terraço lentamente e noto as pessoas ao meu redor. Tem várias pessoas aqui… Não me lembrava do colégio ser tão cheio. Enfim, deve ser só uma impressão. Subimos as escadas e Seulgi se dirige até o cercado do terraço.

“Wendy…”, ela vira para mim, séria.

“Diga…”

“É… Uma pergunta íntima. Você jura que vai responder de forma honesta?”

“Juro, claro.”, eu disse, rindo.

“Você gosta de mim?”

“Gosto.”

“Não, não só assim… Você gosta de verdade de mim? Você… quer ser minha namorada?”

Hã?

Tudo girou. Por um momento esse mundo se tornou estranho. O que estou fazendo? Tem algo de errado. Olhei para o céu… Se o colégio está terminando agora no inverno, deveria estar nevando. Aliás, qual é o nome do meu colégio? Eu…

“Wendy. Olhe pra mim.”

E eu olhei. De repente, só conseguia pensar nos meus sentimentos para com ela. Tudo que passamos juntas. Memórias estranhas se misturavam aos nossos dias conversando como duas garotas quaisquer; por fim, não havia dúvidas.

“Seulgi… Sim. Eu te amo.”

“Que bom…”, ela disse, rindo enquanto lágrimas gordas desciam suas rechonchudas bochechas. Ela se virou e subiu no cercado. “Agora posso ir. Viva bastante, Wendy…”, ela disse, ao se jogar de costas em direção ao abismo.

“Não!”, gritei. Eu estava tão distante. Não ia conseguir alcançá-la… Não posso deixá-la ir agora. Não posso deixá-la morrer. Ela me defendeu por tanto tempo. No colégio… Não. Não foi no colégio. Não. Não…

Um braço azul se destaca de mim e a pega antes de cair. Seulgi arregala seus olhos, surpresa.

“Você não vai me largar aqui. Não agora.”

Todo o colégio se dissolve. Estamos flutuando no nada. Só nós duas nos entreolhamos.

“Wendy, você poderia ter vivido uma vida aqui. Por que fez isso?”

“Ah, sim. Você entra na minha mente, me põe num universo falso, me faz perceber que te quero ao meu lado mais do que deveria… E agora vai me largar numa ilusão? Por quanto tempo?”

“Você morreria mil vezes aqui antes de eu piscar os olhos lá fora.”

“Não é assim que funciona.”

“Fui eu que criei esse lugar. Eu sei bem como ele funciona.”

“Não, não é sobre isso. Não é sobre você, nem sobre sua Marca, nem toda a bagunça em que o mundo está metido. Você não pode se tornar parte de mim e depois dizer que posso morrer mil vezes aqui dentro. Parte de mim moreu quando minha mãe morreu, outra  parte morreu quando meus amigos morreram. Você pegou o último pedaço de mim. A última coisa que tinha… A esperança de viver uma vida normal. Sem você ao meu lado, eu já estou morta. Não preciso morrer nem uma vez sequer numa ilusão maluca para saber isso.” Ela franziu a testa e eu não pude saber se era raiva ou tristeza. Talvez os dois.

“Bem… Não sei… Quem eu culpo dessa vez.”

“Ninguém. As vezes, ninguém tem a culpa das coisas não irem como você quer.”

“Vou ignorar o que você disse e culpar isso na sua habilidade inesperada de formar uma Marca.”, ela disse, rindo. Pegou no meu braço que agora brilhava um azul forte e, olhando nos meus olhos e acariciando meus dedos, continuou: “Vamos morrer lá fora, então?”

Eu sorri.

“Vamos.”

 

-x-

 

Seulgi, na vida real, estava com poucas forças. Sua Marca havia, ao mesmo tempo, nos defendido do ataque e infiltrado minha mente daquela forma. Eu ainda a abraçava.

O mundo ao meu redor estava diferente. Então era assim que a Seulgi via as coisas? “Interessante”, pensei. Senti a energia da minha Marca fluir pelo meu corpo e olhei diretamente nos olhos obscuros do ser estranho que queria nos destruir.

“Seulgi, temos que ir. Ele precisa recarregar antes de lançar outro ataque. Temos… dez segundos e meio.”, eu sentia a informação sem saber muito bem como ela chegou.

“Então você também consegue ler… a dimensão deles.”, ela respondeu, ofegante.

“É, acho que você já não é mais tão especial”, disse, sorrindo.

“Vamos ver então.”

Nós duas olhávamos em direção a ele. Sem trocar uma palavra, traçamos uma estratégia de ataque.

“Pronta?”, ela perguntou.

“Pronta.” Respondi. “Mas antes…”

“O quê?”

“Eu te amo.”, eu disse, sem dúvidas - mas também para não permitir que eu morresse sem finalmente dizer essas palavras a ela.

“É, eu também te amo.”

E corremos explosivamente em direção à possível última batalha da humanidade. E nós éramos a duas últimas soldadas, lutando contra o fim do mundo.

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Comments

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TaeSunshine
#1
Chapter 1: Nossa uma fanfic SeulRene aqui no asianfanfics e em português <3
Obrigada por postar!!! :D Gostei bastante!