Love

Freak Love

Já faz dois anos desde que Stephanie e eu nos tornamos amigas. Minha vida melhorou muito depois que a conheci. Minha depressão diminuiu bastante, enquanto minha auto estima aumentou, já que ela me ajuda a cuidar de meu cabelo e escolher roupas melhores, também não estou mais tão magra. Nunca pensei que uma só pessoa pudesse me fazer tão bem, quando todas as outras fazem tão mal.

Agora somos quase como carne e unha. Inseparáveis. Ela foi a única além do Dr. Hwang, que me olhou e tratou como uma pessoa normal, e não como uma aberração. Stephanie foi como a mais bela flor nascendo no meio de um espinhal, em meio a tantas coisas terríveis em minha vida, ela foi o que me deu sustento. A única que me viu por dentro e que não me julgou pelo que sou por fora. E assim como ela foi a única que me tratou bem, eu fui a única que olhou para ela – mesmo que eu não pudesse a ver –  e a deu atenção.

Stephanie é muito reservada quanto a sua vida, nunca me falou de seus pais, nunca me levou a sua casa. A única coisa que soube de sua família foi que ela perdeu sua mãe há quatro anos, então evito tocar em qualquer assunto relacionado a isso, pois ela parece bem emotiva. Às vezes sinto que quase não a conheço de verdade, se paro para pensar em todas as coisas que sei sobre ela.

 

No momento, estamos na parte de trás de minha casa, no grande quintal que meus pais fizeram. Afinal, o dinheiro que aqueles miseráveis ganharam e ainda ganham à custa de minha anomalia devia servir para alguma coisa. Agora temos uma casa maior, um carro, empregados, e esse enorme jardim. Eu ainda não podia vê–lo, mas pelo que Stephanie dizia, ele devia ser lindo. Sempre gostei de andar por ele quando me sentia sozinha, ou seja, quando Stephanie não estava comigo. Aqui é bem calmo.

Ah sim, minha visão. Eu ainda não a recuperei. Dr. Hwang continua em suas pesquisas, tentando arrumar algum método para curá–la, mas até hoje não parece ter conseguido muito avanço em sua experiência. Então eu apenas continuo tirando foto das coisas. E adivinhem? Stephanie ainda não me deixou fotografá–la.

Eu já havia me acostumado com o fato de ser cega, porém isso começou a me incomodar depois que conheci Stephanie. Eu sinto uma necessidade muito grande de vê–la, mesmo sabendo que são poucas as possibilidades de voltar a enxergar algum dia. Ela parece–me uma incógnita muitas vezes. O que eu não consigo distinguir pelo tom de sua voz ou por suas palavras, se torna enigmas para mim, porque não havia outra forma de entender o que ela quer passar, ou mesmo o que não quer. E isso é frustrante. Sinto–me totalmente a mercê dela. Tão boba.

– Ei TaeTae, quer brincar? – Stephanie, que até então apenas fazia carinho em minha cabeça – que estava em seu colo, chamou minha atenção.

– Não acha que estamos velhas demais para brincar, Steph? – Perguntei com desdém para sua proposta boba.

– Não seja tão chata, sua ahjumma!

– Tá, tá. Do que você quer brincar?

– Cobra cega. – Soltei uma risada nasal antes de parar para ver à que ponto nossa intimidade havia chegado nesses dois anos.

 – Você é horrível. – Respondi com um sorriso torto por sua piada infame.

– Oh, não diga isso, TaeTae. – Pude perceber pelo tom de sua voz que ela também sorria. – Mas, sério, vamos brincar disso.

– O que? Não, eu não quero. – Bem que aquilo podia ter terminado apenas na sua piada infame.

– Vamos. Vamos sim!

– Não, eu nã– Parei minha frase assim que senti seus lábios em minha testa.

– Vamos? – Não respondi, apenas me levantei enquanto ela fazia o mesmo. Senti minhas bochechas quentes novamente, como da vez em que ela pulou em cima de mim, semana passada. Pude ouvi–la rindo baixinho enquanto me puxava pela mão até uma parte mais afastada da casa, dentro do jardim. Tudo que eu ouvia agora era o som dos pássaros voando sobre as arvores, já havíamos parado de andar à aquela altura.

– E então?...

– Conte até dez e depois vá me procurar. – Ouvi–a prendendo a risada e se afastar rapidamente. Tão má.

– Certo. – Esperei alguns segundos antes de começar a contar. – Um, dois, três... – Comecei a caminhar pelo chão folhoso do jardim na direção em que ouvi seus passos indo pela última vez. – Quatro, cinco, seis...

Ouvi uma risada á minha esquerda, onde ficavam as trepadeiras. Conhecia aquele jardim como a palma de minha mão.

– Sete, oito, nove... – Dessa vez ouvi seus passos, tentando se afastar ao perceber minha aproximação, mas eu fui mais rápida e a agarrei pelos pulsos. – Dez.

– Aah, não vale, TaeTae. Você trapaceou. – Disse debochada, rindo e tentando sair de meu aperto.

– E você propôs brincar de cobra cega com uma cega. Estamos quites. – Respondi no mesmo tom e larguei seus pulsos gentilmente.

– Ah–ju–mma! – Soletrou empurrando–me pelos ombros levemente, mas apenas isso foi o suficiente para me fazer desequilibrar e escorregar na grama. Tentando buscar apoio em algo, agarrei a primeira coisa que achei, no caso, fora a blusa de Stephanie. Logo estávamos no chão. Stephanie ria escondendo o rosto na curva de meu pescoço, o que só aumentava a bagunça que se alojava dentro de mim, mais especificamente, no meu estômago.

– Ai, TaeTae. – Exaspera ainda sorrindo, colocando o rosto de frente ao meu. Esse é um dos momentos em que a cegueira me incomoda extremamente. Stephanie estava ali, me encarando, mas eu não sabia o que se passava em sua face, ou o que estava acontecendo realmente. Sentia–me totalmente perdida. Presa sob seu corpo esguio, era como ser sua refém.

– Você é tão bonita, sabia? – Falou no que parecia um sussurro, o ar quente de sua boca batia em meu rosto. Gostaria de ter tido outros amigos, outras experiências, talvez agora soubesse o que anda acontecendo com Stephanie, o que é isso que tenho sentido ultimamente e como deveria reagir.

– E–eu... O que você está dizendo? Eu não sou bonita. – Vez ou outra ela me elogiava de repente desta forma, mas nunca estivemos tão próximas assim quando ela o fazia.

– Claro que é.

– Você está louca, Stephanie. Eu tenho chifres. Sou um monstro.

– Não. Você é linda. É meu lindo... monstrinho. – De alguma forma, aquilo soou um tanto fofo na minha cabeça. Eu devo ser bem estranha mesmo.

Estava prestes a tentar formular uma resposta, quando senti seu dedo contornando meus lábios. – Uma beleza bruta, mas ainda assim, bela. A mais bela.

– Step–

– Shhh... – Foi a ultima coisa que ouvi antes de sentir seus lábios nos meus. Stephanie fazia–me bem apenas por respirar, apenas por estar ao meu lado. Mas aquilo era mil vezes melhor. Era como estar no céu, deitada numa nuvem. Por um momento, esqueci tudo de ruim que aconteceu na minha vida. Os insultos, a perda de minha visão, as agressões, rejeições. Todo carinho que me foi negado estava sendo recompensado naquele beijo. Tão suave. Tão doce. Todo carinho que Stephanie sempre teve por mim estava ali, naquele pequeno gesto, que se tornava tão especial e precioso para mim. Não sabia o que fazer, então apenas a acompanhava. Sentindo o gosto de seus lábios, sua respiração se misturando com a minha, seu gosto com o meu.

Coloquei as mãos em suas costas a impulsionando para mim, querendo senti–la mais próxima, mas isso pareceu despertá–la e logo ela se levantou rapidamente.

– E–eu tenho que ir. Até, Taeyeon. – Não tive forças para responder, então apenas fiquei ali deitada, ouvindo seus passos se afastando. Aproveitando da sensação estranha que ainda pairava meu estomago e o doce sabor em meus lábios.

 

Depois daquele dia, Stephanie não veio mais a minha casa e nem me procurou na volta da escola. Fiquei me perguntando se ela estava arrependida, se o que fizemos foi errado. Mas como teria sido errado, ter me sentido tão em paz pela primeira vez em minha vida? E sei que ela também gostou, eu senti isso. Sei que Stephanie e eu temos algo. Alguma conexão. Foi o que senti quando nos beijamos, como se tudo parecesse certo naquele momento. Como se só existisse nós, sem tristezas, sem problemas.

Preciso vê–la novamente. Preciso provar pra mim mesma que é real.

 

 

Era dez horas da manhã de uma sábado quando eu ouvi os suaves passos no piso de madeira no corredor. Passos que eu conhecia bem. Senti logo uma adrenalina tomar meu corpo, que só aumentou quando ouvi duas batidas – hesitantes – na porta.

– Entre. – Permiti já sabendo quem era. Rapidamente a porta se abriu e Stephanie entrou, andando lentamente até a cama e se sentando ao meu lado. Tinha tantas coisas para dizer e perguntar a Stephanie que meu subconsciente pareceu travar. Havia um grande sorriso em meu rosto só por tê–la ali, depois de tanto tempo. Só de sentir seu cheiro meu corpo se energizava.

Stephanie ainda não havia dito nada desde que entrou, mas sentia sua respiração diferente do habitual. Parecia mais rápida, e não num bom sentido. Estava ficando preocupada e receosa, mas tentei ignorar isso.

– Steph, eu–

– Eu estou indo embora. – Falou me deixando sem reação. Sua respiração parecia mais agitada ainda. Indo embora?  

– Como assim? Você acabou de chegar. – Não estava entendendo onde ela queria dizer com aquilo. O que estava acontecendo?

– Não... Eu vou viajar, Taeyeon. Por causa do trabalho do meu pai. Ele não me disse muita coisa, mas talvez fiquemos alguns meses fora. – Meu cérebro se recusava a processar aquelas palavras. Primeiro ela me beija, e agora está indo embora. O que é isso?

A única pessoa que já foi boa para mim em toda minha vida está me deixando. – Não... – Me recusava a acreditar. Não podia acreditar. Precisava ser egoísta ao menos uma vez na vida, e não permitir que Stephanie partisse. – Isso é mentira. E a escola? Você vai simplesmente largar?

– Eu perguntei a ele, mas tudo que ele disse era pra que eu não me preocupasse e que ele havia ido resolver isso. Disse que minhas notas já são o suficiente para passar esse ano. – A essa altura já ouvia pequenos soluços escapando de seus lábios. Meus olhos estavam lacrimejados, mas eu me recusava a deixar aquelas lágrimas caírem.

– Já chega, ok? Isso é por causa do beijo? Então vamos fingir que não aconteceu, mas não diga essas coisas. – Respondi quase gritando, me sentindo fora de mim. Todo o chão a baixo de meus pés parecia desabar, minha cabeça doía.

– Não é por causa disso. Meu pai irá viajar por alguns meses por causa do trabalho. Eu não sabia até pouco tempo, eu– Não a deixei continuar, corri até sua presença e a apertei contra mim com toda força. Já não conseguia mais segurar minhas lágrimas, estas que molhavam todo o tecido das faixas em meus olhos. Meu corpo tremia, a dor era tão aguda, o desespero. Todo meu ser entrava em desespero só de imaginar Stephanie se afastando. A única razão de eu acreditar que um dia vou voltar a enxergar. Única razão da minha felicidade.

– Não. Não vá, por favor.

– Eu não tenho escolha. Eu vou voltar, então não torne tudo pior.  

– Eu não posso esperar. Por favor, por favor... – Ela não podia estar me deixando, não podia.

– Seja forte. Eu te amo, TaeTae.

Suas palavras me atingiram como um soco, e logo a dor me tomou por completo. Ela estava indo embora. Sim, ela disse que seria apenas uma viagem, mesmo que demorasse meses, mas eu não podia suportar. Sou dependente de Stephanie desde que me lembro. Ela é como meu cão guia, meu anjo da guarda, minha pedra preciosa. Ela é tudo de mais importante que existe para mim, sem ela eu não seria nada. Sei disso.

Quanto mais doía, mais escuro ficava. Meu corpo amolecendo–se, desfalecendo nos braços de Stephanie.

 

 

 

 

– Senhorita Taeyeon, já acordou? – Ouvi um zumbido ao meu lado, até que o identifiquei como a voz de Lee Soonkyu, uma das mais antigas empregadas da casa.

– Sim. – Respondi tentando me recordar do que havia acontecido. Não me lembrava de ter ido dormir. Só lembro–me de tudo ficando escuro de repente. Fora essa dor que ainda continua a latejar em minha cabeça.

– Aqui, a garota que veio a casa hoje mais cedo deixou isso depois que a senhorita desmaiou. – Assim que Soonkyu disse aquilo, senti como se tivesse levado um soco. Todas as lembranças dolorosas do que aconteceu naquela manhã voltaram à tona. Usei de todo meu controle para segurar o choro novamente, não acreditando que ela realmente tinha partido. Odeio chorar na frente dos outros, parecer tão fraca na frente de qualquer pessoa que não fosse Stephanie, como se não fosse ruim o bastante as empregadas terem pena de mim pela minha cegueira e anomalia. Depois de Stephanie ter me ajudado a ficar mais forte. Independente. Ela era a única qual não me sentia fraca por chorar em sua frente. Ela fazia com que eu me sentisse segura.  

Senti uma espécie de plástico reforçado tocar minha mão. Era Sunkyu me entregando o que quer que fosse que Stephanie havia me deixado. Mesmo já sabendo o que era, pelo formato do objeto, não quis acreditar e perguntei.

– O que é isso, Sunkyu? – Meus lábios se retorciam tentando conter as lágrimas que já molhavam as faixas em volta de meus olhos.

– Uma foto que ela lhe deixou. – A cada palavra meu coração doía mais.

– Quem está nela?

– A própria menina que veio aqui hoje cedo. – Já estava insuportável agüentar aquela dor, eu só queria gritar e chorar até não poder mais. Jamais desejei morrer como estava desejando naquele momento. Nem quando furaram meus olhos, quando me colocaram na frente de setenta pessoas para rirem da minha anomalia. A dor que eu sentia naquele momento esmagava meu coração por completo.

– E como ela é? – Perguntei com minha voz fraquejando. Mesmo sabendo que a resposta daquilo me magoaria mais ainda, eu precisava disso. Queria imaginar como seria essa foto, usando de minhas únicas recordações de como eram as cores e formas na época em que enxergava, quando era apenas uma criança.

– Ela é um pouco mais alta que a senhorita, tem cabelos castanhos escuros meio cacheados nas pontas, quase negros. Olhos negros e pele branca, muito branca.

Fiz de todo meu esforço para tentar imaginá–la, mas era impossível.  

– Deixe–me sozinha.

– Como desejar, senhorita. Chame–me se precisar de algo. 

Naquela noite eu chorei tudo que não chorei durante o dia, e ainda mais.

 

 

Dois dias após Stephanie vir me avisar que iria se mudar, eu fui até o laboratório de JongHyun, Dr. Hwang. Precisava de algum apoio, qualquer coisa. Mas tudo isso apenas para saber que havia ido embora. Sua vizinha me disse que ele havia ido encontrar–se com seus antigos companheiros, e que voltaria logo para cumprir sua promessa comigo. A mulher disse que ele não pode se despedir, pois seus amigos o comunicaram em cima da hora. No momento me senti ainda mais triste, afinal, ele havia partido e eu já tinha acabado de perder Stephanie. Ou seja, todos que já me trataram bem nessa vida estavam me deixando, mesmo que ele estivesse indo por pouco tempo, como a mulher me disse. Depois de pensar melhor, percebi que seria bom. Afinal, era uma chance de consegui a cura de minha cegueira, e eu não poderia ficar triste por isso. Ainda mais quando eu finalmente poderia ver Stephanie, não em carne em osso, mas na foto, pelo menos. Já era alguma coisa.

Semanas se passaram, e eu ainda tinha a esperança de que talvez Stephanie voltasse mais cedo, por isso me mantive forte, comia mesmo sem fome alguma, levantava da cama todos os dias mesmo sem a menor vontade. Vivia mesmo sem forças pra isso. Ou melhor, sobrevivia. Minha vida se resumia à esperança de que Stephanie voltaria rapidamente.

Um mês e meio depois, eu já podia sentir a falta que fazia a comida em meu estomago. Meu corpo mal tinha forças, chorava dia e noite agarrada àquela foto, qual talvez nunca pudesse ver.

– Eu sequer tive a oportunidade de dizer que também a amava.

Isso dilacerava minha alma todas as noites, eu me sentia culpada por não ter a dito tudo que queria. Tudo que eu queria era poder mostrar o quanto eu a amava, mas ela se foi antes disso. Ela me deixou e levou meu coração consigo. Levou minha alegria, minha razão. Sentia como se parte de mim tivesse me deixado, a parte boa. A que era feliz. Eu a perdi.

Eu perdi minha felicidade.

 

 

 

Três meses depois de Stephanie ter me deixado, já conseguia sentir os ossos de minha costela saltando em minha pele. Só levantava da cama após tomar uma pilha de antidepressivos. Sentia–me mais infeliz do que nunca. A falta de minha visão não era nada comparada a falta que Stephanie fazia, eu trocaria qualquer coisa apenas pela sua presença. Qualquer coisa. Até mesmo a oportunidade de poder enxergar outra vez.

Não levantava da cama para nada que não fossem obrigações. Nunca mais toquei em minha câmera ou nas fotos que tirei com ela. Nunca mais voltei ao jardim, mesmo que estivesse ao lado de minha casa e fizesse parte dela. Tudo que eu queria era esquecê–la, e assim, talvez, esquecer a dor junto.

Como o mais gelado pico de uma montanha, meu coração se tornou uma pedra de gelo nesses meses. Qualquer compaixão a vida que existisse em mim ia se esvaindo.

Os dias se passavam lentamente, cada vez mais longos e vazios. A escuridão de meus olhos não era nada comparada a de minha alma, o vazio que lá habitava. Quatro meses, cinco meses, seis meses e meio. A vida deixou de fazer sentido, estava prestes a fazer alguma loucura, qualquer coisa para acabar com aquela dor. Insuportável. Só assim podia defini–la. 

 

 Era uma manhã qualquer, na qual eu me recusei a ir à escola, preferindo ficar deitada em minha cama. Meu corpo estava muito cansado. A insônia durante a noite acabava com qualquer resquício de força que sobrasse para enfrentar a manhã. Estava mais uma vez segurando a foto entre meus dedos, vez ou outra deixando um beijo casto nela, imaginando onde minha amada estaria, até que ouvi batidas na porta. Se fosse um dia comum, eu teria percebido a aproximação só pelos passos da pessoa no corredor, mas eu estava cada vez mais indiferente a tudo. Tão avulsa.

– Senhorita Taeyeon? – Ouvi a voz de Sunkyu do outro lado da porta.

– Fale. – Respondi sem animo algum. Avisei a Sunkyu que apenas me incomodasse caso fosse importante, então espero que de fato, seja.

– Há uma pessoa no portão procurando por você. – Desde quando alguém procura por mim?

– Quem? – Perguntei já me levantando da cama.

– Um homem. Ele se identificou como JongHyun Hwang. – Todos os meus sentidos despertaram ao ouvir aquele nome. Nem acreditava que ele havia voltado. Será que havia conseguido a cura?

– Diga que já estou descendo. – Calcei meus tênis e coloquei meu casaco. Tentei arrumar meu cabelo o máximo que consegui e sai de meu quarto e corri para o andar de baixo.

– Senhor Hwang lhe espera na sala de visitas. – Sunkyu me avisou e eu assenti com a cabeça. Fui em direção ao cômodo tentando conter a ansiedade.

 

– Vejo que emagreceu bastante depois que viajei, Taeyeon. – Ouvi a voz de JongHyun e praticamente corri em direção à sua presença. De braços abertos, ele me acolheu mais uma vez. Um longo e aconchegante abraço, de um desconhecido que havia sido mais carinhoso comigo em poucos anos do que meu pai em toda sua vida.

– Senti saudades. – Falei me afastando.

– Eu também senti. Mas sabe que foi necessário. Aprendi muitas coisas com meus amigos, sabe. Fizemos muitas experiências. – Disse afagando meus cabelos. Sua voz tão emocionada quanto a minha.

– Então você conseguiu? – Meu ser se encheu de esperança, não podia acreditar. Eu realmente voltaria a enxergar?

– Quando foi que eu não consegui, criança?

 

[...]

 

 

– Tudo certo, Taeyeon?

– Tudo. – O sonífero e a anestesia já faziam efeito. Começava a perder os sentidos de meu corpo e da realidade naquele laboratório. Logo estaria enxergando novamente, e é isso que importa.

– Talvez demore um pouco para o sonífero fazer efeito total, por que não pensa em algo que goste, enquanto isso? Ou no que gostaria de ver após a cirurgia? – Ouvi a voz de JongHyun distante, cada vez mais distante.

– Sim, claro. – Respondi num fio de voz.

Pensar no que eu gosto. No que eu gosto. No que gostaria de ver. O que eu mais queria ver não está mais aqui agora. Porém não tive forças para responder isso. Todos os meus músculos amoleciam, uma sensação de paz e calma me tomava, enquanto toda minha existência parecia se dissipar. Algo diferente do que senti todos esses anos. Foram um misto de sensações. A maioria ruins, apenas uma pessoa me trouxe as boas.

Veja bem, foram dois anos, mas passaram como dois dias para mim. Stephanie resumiu todo seu sentimento por mim naquele beijo, todos os nossos singelos abraços, nossos toques, nossas palavras carinhosas. Tudo estava mesclado naquele beijo, que está gravado em minha boca e em meu coração, fazendo com que seja impossível esquecê–lo. Seus lábios tão suaves, tão gentis. Só queria a chance de prová–los novamente, mas vejo que terei que me contentar apenas em ver o que nunca mais poderei tocar novamente.

Por um segundo, me perguntei qual era o significado em voltar a enxergar. Minha vida já não era mais a mesma sem Stephanie. Seria legal poder ver as fotos que tirei durante todo esses anos, ainda mais com a ajuda de Stephanie, mas tudo isso perdia a graça só de pensar que jamais a veria. Que tudo que preciso para “vê–la”, são minhas lembranças de seus toques e sua presença.

Qual era o significado de enxergar, se jamais veria o que fez minha vida ter sentido?

 

 

Paz. Tranqüilidade. Foi tudo que senti minutos antes de recobrar lentamente meus sentidos e sentir um incomodo na região de minhas córneas, quais ainda estavam enfaixadas. Já senti uma diferença em minha visão. A escuridão se dissipava mais e mais.

– Já acordou? – Ouvi a voz de JongHyun ao meu lado, mexendo em algumas coisas metálicas, pelo que pude perceber.

– Sim. Foi tudo bem com a operação?

– Sim, sim. Você poderá tirar as faixas daqui um dia. Sua visão ficará estranha no começo, mas logo se normalizará. – Ouvir aquilo não me deixou tão feliz quanto eu gostaria. Sentia um fio de ansiedade para ver a foto de Stephanie. Não queria admitir, mas a vontade de vê–la, mesmo por foto, estava me corroendo.

– Obrigada, JongHyun. De verdade. Espero poder recompensá–lo um dia. – Ele veio ao meu encalce e eu o abracei com toda força, por pouco não acabei chorando ali. Mesmo com aqueles pensamentos deprimentes sobre Stephanie, jamais poderia deixar de ficar emocionada por recuperar minha visão, após tantos anos esperando.

– É um prazer, Taeyeon. Era meu sonho conseguir ajudá–la. Agora poderei ajudar outras pessoas cegas também. – Ele falou em tom totalmente emocionado. – Não sabe como isso me deixa feliz, criança.

 

 

 

Voltei para casa com a ajuda de Sunkyu, pois ainda me sentia um pouco fraca. Logo que cheguei, fui me deitar. JongHyun havia dito que o sonífero e a anestesia ainda fariam efeito por algumas horas, fora a tontura pela operação. Deitei em minha cama segurando a foto de Stephanie em minhas mãos, prezando que seu rosto fosse a primeira coisa que eu visse assim que acordasse. Adormeci abraçada ao meu amor, mesmo que não dá forma que eu queria.

E foi aí que eu percebi que eu não deixei de amar Stephanie em nenhum desses meses. Meu amor por ela nunca diminuiu, apenas aumentou a cada dia. A saudade consumia minha alma. Era impossível deixar de amá–la.

 

Acordei e senti minhas mãos vazias, logo um desespero me abateu e eu me pus a desenrolar as faixas de meus olhos, onde já não havia mais aquela dor incomoda. Já podia sentir uma diferença em minha visão. Quanto mais faixas deixavam meus olhos, mas eu podia enxergar a luz. As paredes azuis claro do meu quarto – pelo que me lembrava do nome de cada cor–, o piso castanho de madeira. Tudo parecia tão bonito, tão lindo e novo, mesmo minha visão estando um pouco embaçada, me impedindo de enxergar com total clareza os detalhes.

 

Fiquei alguns segundos desfrutando de minha nova visão, até que me lembrei da foto. Eu havia ido me deitar segurando–a, onde ela estaria? Nada poderia acontecer com aquela foto, era a única lembrança física que tinha do meu amor, e também a única forma de poder vê–la. Fui até minha escrivaninha e revirei todas as gavetas, olhei por todo o chão, procurei até por meu guarda roupa e a penteadeira, e por fim, na cama. Uma dor muito grande tomou meu peito, eu havia mesmo perdido a segunda coisa mais importante na minha vida?

 

– Procurando por isso? – Ouvi uma voz muito conhecida na porta e levantei o olhar. Stephanie estava ali. Não só ela, mas a foto também, em suas mãos. Meu peito pareceu se incendiar de repente e uma vontade de chorar me invadiu. Corri até Stephanie, que tinha um sorriso choroso no rosto e a abracei, afundando meu rosto em seu pescoço. Todo o tempo pareceu parar. Toda a tristeza que passei durante esses meses pareceu ir embora num piscar de olhos.

 

– É você mesmo? – Aquilo era tão surreal. Seu cheiro, sua pele. Era tão bom que eu cogitei a possibilidade de estar delirando.

 

 – Claro que sou eu, TaeTae. – Sua voz tão chorosa quanto a minha acariciava meus ouvidos. Sutilmente ela deixava beijos por meu pescoço e ombro. Meus braços a apertavam contra mim fortemente. Não podia deixá–la escapar agora, nem nunca mais. Após alguns minutos naquele abraço caloroso, me afastei para ver o rosto que eu tanto almejei ver um dia.

 

– Minha visão está tão embaçada que mal consigo vê–la, há poucos minutos ela estava boa. – O medo de que eu não pudesse ver Stephanie me afligiu novamente. – O que está acontecendo?

 

– Ah, TaeTae, são só suas lágrimas. – Respondeu sorrindo, tirando as lágrimas de meus olhos com os dedos gentilmente. Logo consegui enxergar com mais clareza. – Oh, então é assim que minha visão fica quando choro...

 

As mãos de Stephanie percorriam meu rosto. Até que ela o segurou entre eles, me fazendo encará–la. Tão bela Stephanie era. Tive toda essa beleza ao meu lado durante todo esse tempo e não a pude contemplar, mas agora ela estava ali. Sorrindo para mim. Seus cabelos escuros, levemente ondulados nas pontas, seus olhos sorrindo junto com sua boca, as maçãs avermelhadas de seu rosto, assim como a ponta de seu nariz. A mais perfeita visão que já tive. Com certeza, mais bonita do que todos os quadros de artistas famosos que nunca pude ver, ou as fotos que já tirei, mesmo o jardim de minha casa, que todos diziam ser lindo. O paraíso estava na minha frente, e nada poderia ser mais lindo que ele. Beijei seus lábios antes que estes me escapassem. Incomodava–me até mesmo fechar os olhos durante o beijo, pois tudo o que eu mais queria era olhar para Stephanie, para meu amor.

– Você é linda. – Stephanie apenas pareceu ficar tímida. Deu um sutil sorriso antes de se pronunciar.

– Você também, meu amor. – Meu coração doeu e ao mesmo tempo se esquentou tanto com suas palavras. Apenas Stephanie tinha esse poder sobre mim, me causar essa coisa tão boa, que queima todo meu corpo. Mas então a dúvida voltou.

 – Como você voltou? E o trabalho de seu pai?

– Ai TaeTae, como você é lerda. – Fez uma pausa para rir, me senti um pouco ofendida com aquilo, mas ela logo continuou. – Meu pai é o Dr. Hwang, JongHyun Hwang.

Eu havia percebido a semelhança entre os sobrenomes, mas achei que fosse só coincidência. Agora vejo que a bondade de Stephanie veio de sangue. Talvez ela tivesse razão, eu sou lerda demais mesmo.

– Só que nós não conversamos muito, então ele apenas disse que tinha que viajar para encontrar-se com seus antigos colegas médicos e cientistas para conseguir ajuda em um projeto. Ele é bem sigiloso e quieto, você deve saber, afinal se conhecem há anos, pelo que ele me disse. – Fez uma pausa tentando conter algumas lágrimas. – Foi tudo tão rápido, apenas me disse que precisava da cura para sua paciente. Não imaginei que essa fosse logo você.

Minha boca se abriu em forma de O, aquilo era mesmo muita coincidência, não sei como não percebi.

– E eu só fui saber quando ele me chamou ao laboratório para vê–la, ainda dormindo, após a operação.

A essa altura, lágrimas já lavavam seu rosto. – Eu senti tanto sua falta. – Apertou minha mãos entre as suas e as beijou de olhos fechados. Eu estava sem reação. Era mesmo ela ali. Meu amor havia voltado, e estava chorando por mim. Abraçamos-nos ali por mais algum tempo, qual eu não ousei contar. Apenas queira senti-la sem me importar com mais nada.

 

[...]

Agora estamos no jardim de minha casa, do mesmo jeito como da última vez em que viemos aqui: Minha cabeça repousava em seu colo enquanto ela acariciava meus cabelos. Fomos para uma parte mais adentro do jardim para que ninguém nos achasse ou incomodasse, afinal, aquele momento era nosso por direito. Apenas nosso. E aquele, era nosso lugar secreto.

O sol estava fraco, mas fazia a pele alva de Stephanie reluzir. Seus olhos presos aos meus em todo o momento, não se desgrudaram em hora alguma. Trocavamos olhares apaixonados sem pudor, sem esconder toda paixão que havia ali, toda a saudade. Levantei minha mão e toquei seu rosto, fazendo um carinho ali. Ela fechou os olhos, sentindo o contato da ponta de meus dedos. Segui toda a linha de seu maxilar até seu queixo, até que segurei seu rosto na palma de minha mão e uma coisa me veio à memória. Algo que ainda me pesava os ombros.

– Ah, eu esqueci que tenho para te dizer. – Falei fazendo-a abrir os olhos rapidamente.

– Hm?

– Eu também te amo. – Disse tentando transparecer apenas naquelas poucas palavras toda a saudade que senti dela, todo o amor que apenas cresceu a cada dia longe dela. Segurei sua mão na palma da minha e levei a meus lábios, deixando um beijo casto ali. Seus olhos que ainda estavam levemente avermelhados pelo choro de poucas horas atrás, voltaram a lacrimejar.

 – Babo.

 

 

 

Espero que tenham gostado. ^^
Fiquem de olho na minha outra fic, Paraíso. Está quase no fim.

 

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