Freak

Freak Love

“Aberração”
 “Esquisita”
“Monstro”

Risadas e insultos soavam dentro da grande tenda de pano. A garota que teve seus olhos furados, Taeyeon, não as via, mas sentia a presença de todos ali. Rindo de sua deformidade. Ela já se acostumara com aquilo, afinal, era uma das atrações principais do circo de horrores. Mas não quer dizer que seu coração doía menos com tudo aquilo.

Seus pais eram dois pobres coitados, quase não tinham dinheiro para comer. Sua mãe engravidou por acidente e não teve coragem de abortar o bebê. Quando esta nasceu, não sabiam o que fazer, pensavam nela como um peso morto – vivo – que só os atrapalharia mais. Até que com três anos de idade completados, pequenos chifres contorcidos começaram a nascer no topo de sua cabeça, entre seus cabelos loiros. E foi nesse meio tempo que seus pais encontraram um circo de aberrações. Viram dinheiro fácil ali com a pequena Taeyeon, e lá a colocaram, afinal, era só uma criança em seus cinco anos e meio, não poderia negar.

Ela pensava que sua vida era horrível o suficiente, ao ponto de não poder piorar, mas ela estava enganada. Aos sete anos, um bando de religiosos a pegaram, insinuando que ela seria um tipo de anticristo pelos seus chifres, ou o próprio demônio, e furaram ambos seus olhos. Teriam feito mais se aqueles guardas não aparecessem para impedi-los. Desde então ela usa faixas em seus olhos, quais contornam sua cabeça, entrando em meio seus cabelos maltratados. Escondendo suas pálpebras dilaceradas e cicatrizes.

Taeyeon apenas começou a estudar aos oito anos, numa escola especial, claro. Afinal, ela era cega.

E foi no caminho de sua escola que ela conheceu o Doutor Hwang. Um cientista não muito renomado ou conversativo, mas que ao ver o estado de Taeyeon, quis ajudá-la sobre sua cegueira e fazer experiências para descobrir a origem de seus chifres. Os pais de Taeyeon não ligavam para o que a menina fazia, contanto que ela continuasse os dando lucro, então ela ia duas vezes por mês ao laboratório secreto do Dr. Hwang sem que eles soubessem. Ele também a deu, junto com esperança, uma câmera, para que ela tirasse foto de todas as coisas que não podia ver agora, e então veria as fotos quando ele curasse sua visão. Desde então Taeyeon sempre andou com a câmera fotográfica pendurada em seu pescoço.

Ele era um bom homem. Prometeu recuperar a visão da pequena Taeyeon nem que fosse a ultima coisa que ele fizesse. Ele foi o único em anos que jamais a insultou por sua aparência ou estado físico. Isso foi um alivio para a auto estima de Taeyeon, tão pequena quanto a própria, que não pudera ficar mais feliz com o comprometimento que o homem tinha em curar sua cegueira e saber mais sobre sua anomalia.

Os anos se passaram e Taeyeon crescia – menos em tamanho – sem amor, sem amizades, sem nada direcionado a si que não fossem insultos por sua aparência ou ódio. Mesmo que ela nunca tenha feito mal a alguém, mesmo que ela seja uma boa garota, mesmo que só fique na dela. Ser diferente é como ser um imã de ódio, isso trás a tona o pior das pessoas.

Com quatorze anos, ela já não sabia o que era auto estima. E a dela já estava bem baixa. Ela usava qualquer coisa que seus pais comprassem, afinal, não podia ver, não podia distinguir nada. Tudo que ela podia fazer era sentir. Dor, solidão, infelicidade. E assim tudo isso começou a afetar a aparência de Taeyeon. Ela andava de forma curvada e ombros baixos, seus cabelos despenteados. Seu corpo magro, pela forte depressão que carregava, mal costumava comer. Sua posição era quase de submissão total. Em todos os aspectos.

Pela quarta vez naquele mês, dois garotos que costumam irritar Taeyeon na saída da escola foram perturbá-la novamente. Mas dessa vez não se contentaram apenas com ofensas.

– Ei sua estranha, você é filha do diabo ou algo assim?

– Aberração!

– Deus deve te odiar.

– Estranha!

Ela apenas ouvia tudo sem dizer nada, tateando o concreto do chão à sua frente com sua bengala. Sequer precisava dela, sabia o caminho para casa de cor, poderia ir até de costas.

– Por que você não fala nada? Covarde! – Dessa vez o menino a empurrou. Não contente em apenas vê-la caída no chão, chutou sua perna, fazendo com que ela soltasse um grunhido de dor.

– Tão estranha! Você deve ser algum tipo de bicho folclórico. – Taeyeon continuou lá deitada no chão, quase em posição fetal. Até que ele segurou a câmera de seu pescoço, fazendo Taeyeon se alarmar. – Oh, isso é importante pra você? – Perguntou em tom maldoso. Agora sim a menor estava com medo. A câmera era muito preciosa para si. Não podia deixar nada acontecer-lhe

– Ei, deixe-a em paz. – Ouviu uma voz feminina logo atrás dela.

– O que você quer, garota? Você é amiga dessa aberração?

– Apenas a deixe em paz. – Taeyeon se perguntava de quem era aquela voz, que aumentava a cada resposta.

– Pfff. Não sei porque perde seu tempo defendendo esse monstro. – A voz dos garotos foi se afastando gradativamente, juntamente com seus passos, até não serem mais ouvidos ali.

– Você está bem? – A menina se abaixou e tocou o braço esguio de Taeyeon, que recuou por força do hábito. – Calma, não vou te machucar.

A garota segurou a magra e alva mão de Taeyeon, que tentou não se afastar dessa vez.
Ela se levantou e limpou suas roupas rapidamente. A outra apenas a observava.

– O-obrigada. – Respondeu aliviada.

– Não foi nada.

 

– Qual é seu nome? – A menina se pronunciou novamente, assustando Taeyeon que estava distraída ajeitando a mochila em suas costas. Taeyeon só conseguia se perguntar quem era aquela garota desconhecida. Talvez alguém que a viu na rua naquele momento e quis ajudá-la, ou que passasse pela mesma rua que ela quando voltava para sua casa ou ia para a escola, talvez alguma aluna de uma escola próxima.

– T-Taeyeon. E vo-você? – Depois de tantos anos sem interagir de uma forma positiva com alguém de sua idade, Taeyeon se esqueceu um pouco de como se conversava, isso, junto com sua ansiedade e baixa auto estima, a faziam gaguejar.

– Stephanie.

– Hm... – Taeyeon não sabia mais o que dizer. Nunca havia estado numa situação daquelas, ela só queria ir para casa, onde não tinha que formar respostas rápidas em sua cabeça para uma desconhecida. Obvio, ela estava agradecida, só não sabia como se comportar perto da garota.

Ela tentou ignorar a crescente alegria de estar sendo tratada normalmente pela desconhecida, pois acreditava que talvez estivesse sendo enganada. Talvez a menina não fosse tão boa assim. Quais seriam suas reais intenções?

– Por que você sempre carrega essa câmera com você? – Stephanie perguntou ao ver que a outra não continuaria, fazendo a menor se alarmar novamente por se referir a sua câmera.

– Oh, isso? E-Eu g-gosto de tirar foto das coisas agora, para que eu possa vê-las algum dia, quando recuperar minha visão.

– Posso dar uma olhada nelas?

– C-Claro. – Se assustou com o repentino interesse da garota, mas assentiu.

Stephanie pegou as fotos e as fitou com uma sobrancelha erguida.

– Mas quase todas estão borradas. – Avisou para menina cega.

– O que? C-Como assim? – Perguntou desconsertada. Não acreditava que havia perdido tantas de suas importantes fotos.

– Elas estão borradas, tremidas. – Respondeu agora  em tom triste. – Deve ser porque você fica se mexendo assim, para frente e para trás. – Um pequeno sorriso se abriu em seus lábios, mas não um maldoso.

– Oh...

– Aqui, deixa eu te ajudar. – Dito isso, foi até a menor, segurando-a pelos ombros e como conseqüência, fazendo-a ficar parada. – Prontinho. – Sorriu para a Taeyeon, e mesmo que esta não pudesse ver, sorriu de volta. – Agora tire uma foto das arvores que estão ali na direita. – Falou já virando os ombros da menor para a direita, de forma que o resto de seu corpo fosse junto.

– Ce-certo.

Clic.

 – Viu? Agora não ficou borrada. – Sorriu satisfeita com o resultado. A Taeyeon também sorriu, mesmo não podendo ver a foto no momento, mas também pela ansiedade com a aproximação de Stephanie.

– Po-posso tirar uma foto sua? – Perguntou envergonhada, posicionando sua câmera, rezando para que estivesse captando Stephanie com perfeição.

– Por que? – Perguntou, e realmente tinha dúvida em sua voz.

– Para que eu possa vê-la quando voltar a enxergar, o-oras. – Disse esperando não soar boba.

– Não precisa. Eu vou estar aqui quando você recuperar sua visão. – Taeyeon captou a emoção – lê-se alegria – na voz da outra.

– V-vai?

– Uhum. Eu sempre te vi no caminho de casa. Só não sabia como vir falar com você... – Falou envergonhada.

– Oh. Isso é bom.

– Sim, sim. – Concordou risonha.

– Então... Onde você mora, Taeyeon?

 

 

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