Capítulo 4
Telepatia
Hyoyeon se deixa cair, as costas deslizando uma das pesadas estantes de livros da biblioteca, cansada. Encolhe os joelhos apoiando ali os braços e baixando a cabeça sobre eles. Ela havia desistido de achar livros sobre sensoriais e passara a caçar qualquer coisa que pudesse utilizar para compreendê-los. Muito pouco foi encontrado, inútil para sequer começar a formar um esquema de estudo.
Hyoyeon levanta a cabeça passando a mão pelos cabelos, os olhos fechados e a expressão exausta. Seu aspecto devia ser dos piores. Não comia direito, não dormia direito, vivia naquela biblioteca e seus pais já começavam a reclamar de seu comportamento. Antes fizeram vista grossa acreditando ser o luto pela irmã, agora se preocupavam que esse comportamento piorasse. Hyoyeon estava pouco se lixando, a frustração de não encontrar uma palavra sequer que desanuviasse um pouco sua mente, explicasse alguma coisa, consumindo-a dolorosamente. Pensa em Taeyeon, e no quanto quer ter uma explicação, alguma coisa... Taeyeon...
Sente alguém se aproximar, mas não se preocupa em abrir os olhos vermelhos ou sair daquela posição. Desolada, querendo que o mundo deixasse de ser tão frio e solitário para ela por um instante. Um mísero instante. Contém as lágrimas de descerem, e a força que empreende para isso queima o peito e entala a garganta. Foi inevitável no entanto sentir uma presença bem em frente a ela. Abre os olhos notando um par de All Stars gastos e o longo corpo que se segue. Reconhece-a antes mesmo de chegar ao rosto. A estudante da recepção, com aquela piedade infinita que parece ter ganho de muita gente ultimamente. Ela não conseguira provar seu intuito. Parecia uma alma perdida em busca de um consolo que todos sabiam não existir.
Repousa a cabeça na estante de livros e a observa com a mente vazia, como se toda a perseguição empreendida e que a irritara nos últimos dias não importasse mais agora. Estava cansada, e tão, tão longe de conseguir qualquer coisa significativa. Desvia a vista da morena e passa a olhar através dos distantes vidros das janelas. Talvez ela não tivesse conseguido mesmo ajudar Taeyeon, e a aceitação disso a quebra por dentro em mil pedaços.
A morena morde o lábio, parecendo decidir que é hora de falar. “Tenho algo pra mostrar.”
/-/-/-/
Uma luz forte se acende, iluminando a pequena sala cheia de estantes de livros levemente empoeirados. A ausência de janelas torna o lugar quase sombrio, tendo apenas a pequena lâmpada pendendo do teto por um fio como iluminação. “Que lugar é esse?” Pergunta Hyoyeon curiosa, o olhar percorrendo todo o espaço com o coração aos pulos. Ela sabia o que era aquilo, mas queria ter certeza.
Ela não hesitara em seguir a morena. Ainda não conseguia ler seus pensamentos, mas sentia sua energia. Era uma energia angustiada, mas na qual Hyoyeon sentia – por algum motivo obscuro – que podia confiar.
“São livros sobre sensoriais ou escritos por eles antes da Evolução.” Sooyoung explica à porta, mãos cruzadas apoiando-se no vão enquanto Hyoyeon entra a passos lentos, os olhos percorrendo os livros como se tivesse encontrado raríssimo tesouro, as pontas dos dedos tirando poeira de alguns aqui e ali. “Muitos foram destruídos, rasurados, roubados, perdidos, riscados... O respeito por eles é quase zero. A diretoria resolveu salvar o que sobreviveu do acervo trancando nessa sala. Ninguém entra sem autorização.”
Hyoyeon tira com cuidado um livro com uma capa pendendo, quase completamente solta, suas páginas rasuradas. E ela sente um pontada no peito por Taeyeon. “Por que me deu permissão?” Pergunta, e a morena dá apenas um sorriso manso, melancólico, os ombros subindo e descendo como quem não sabe direito o por quê de suas atitudes. “Você parece em busca de algo bom.”
Hyoyeon não responde, para ali com o livro empoeirado em mãos enquanto a morena lhe diz que vai deixá-la a sós e à vontade com os livros. Qualquer coisa a chamasse.
“Qual é seu nome?” Hyoyeon pergunta, se interessa, pela primeira vez.
A morena se volta, sorri. “Choi Sooyoung.”
/-/-/-/
Hyoyeon voltou, tantas e tantas vezes que já virara falatório na escola que Hyoyeon desaparecia na biblioteca. Diziam que estava em negação. Alguns faziam piadas. Hyoyeon mantinha a mente boa parte do tempo bloqueada por mais que fosse exaustivo. Não queria ouvir tais coisas; não queria ouvir que a irmã era um pobre caso sem cura e sem salvação e às vezes isso lhe dava ainda mais força para continuar pesquisando e outras vezes a pegava chorando silenciosamente sentada no chão empoeirado da sala restrita.
Nem mesmo o retorno de Yuri da suspensão foi capaz de animá-la o bastante, até porque quase não a via, a despeito de todos os dramáticos discursos que a acusavam de estar deixando de lado a melhor amiga. Yuri não sabia sobre a sala restrita. Ninguém além dela e de Sooyoung. Hyoyeon queria tornar aquela sala toda sua, suas memórias, seu estudo, sua frágil esperança de algo que lhe mostrasse o caminho. Também era onde entendia Taeyeon, onde estudava Taeyeon, conhecia Taeyeon. Era como um encontro entre ela e a irmã, um lugar só delas, ainda que após a morte. E não queria dividir isso com ninguém, gostava que fosse assim – tão íntimo delas duas.
“Alguma sorte?” Sooyoung pergunta, o olhar erguendo-se preocupado à loura que parava no balcão com um dos livros que resolvera terminar de ler em casa. Sooyoung sempre encobria a saída de tais livros. Por que estava arriscando tanto? Ela não sabia. Mas o tesouro a que tinha acesso já lhe era tão querido que não queria correr o risco de perder com perguntas. Pelo bem ou pelo mal, Sooyoung lhe cedera aquele espaço onde se via tão próxima de Taeyeon como nunca fôra.
O cansaço estampava em todo seu rosto, corpo, nos ombros tensos e braços caídos. Balança a cabeça negativamente. Sooyoung retira discretamente o código do livro que o impediria de ser registrado pelas máquinas na saída e devolve-o à loura. “Não desista ainda.” Sua paciência parece ser infinita. “Há vários livros naquela sala. Enquanto houver estrada a percorrer há esperança.”
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