Ela apontou novamente para o seu livro de matemática com um leve tom de impaciência. Seu dedo pressionava o papel com mais força do que deveria. Taeyeon ergue os olhos, aquele olhar penoso e perdido, tentando entender algo do que ela estava dizendo, mas não consegue. Não importa o quanto Hyoyeon tente, e ela tentou diversas vezes, não importa o que faça ou quão paciente seja, sempre acabaria frustrada com a inabilidade de Taeyeon em compreendê-la.

Não, não se trata da matemática, é sobre tudo. Taeyeon foi amaldiçoada em seu nascimento com o termo “especial”; ela era uma criança “especial” com necessidades “especiais”. Ela nunca gostou da palavra, as pessoas a tratavam como retardada e não importa o quanto se esforçasse ela não conseguia entender o que diziam. Ela olhava para eles e eles a encaravam de volta. Ela podia ler raiva, tristeza, preocupação, mas é tudo o que conseguia – ler emoções. Não fazia idéia das palavras atreladas a esses sentimentos.

Ela está prestes a chorar – novamente – em sua nova falha tentativa de acompanhar Hyoyeon. Ela está tentando no ápice de suas forças, mas não é o que parece para a irmã, que apaga seu livro tantas vezes que o papel começa a formar buracos. Hyoyeon passa a mão pelo rosto cansado, não sabe mais que língua usar. Ela para de olhar para a irmã e as duas se encontram tão perdidas em tão diferentes mundos.

Hyoyeon pega um lápis e escreve forçosamente no livro, “Por que não me entende?”. E Taeyeon gostaria de ter a resposta para essa pergunta também. Ela não sabe, baixa a cabeça e começa a chorar. É tão sutil que leva algum tempo para que Hyoyeon o note, e quando o faz força Taeyeon a encará-la. Por que não me entende? A voz de Taeyeon ressoa na cabeça e vê a esperança completamente deixar os olhos de Hyoyeon, seguido de um profundo suspiro.

“Continue tentando.” Ela escreveu novamente no livro sujo, mas Taeyeon estava cansada, tão cansada. Chorou profusamente quando Hyoyeon lhe fez o pedido. Não, ela não poderia continuar, não aguentava mais. Chora alto e rasga aquela página. Pega o lápis e risca várias outras em um acesso de raiva. Hyoyeon se levanta, não querendo lidar com a raiva da irmã naquele momento.

Taeyeon mergulha cada vez mais em tristeza ao vê-la partir porque não é dela que tem raiva, não queria irritá-la e fazê-la ir embora, ela é tão carinhosa com ela boa parte do tempo. Taeyeon tem raiva intensa de si própria, e gostaria de ser possível rasgar-se e desaparecer como aquelas páginas. Talvez Hyoyeon consiga entende-la, afinal de contas ela é normal, mas Taeyeon não o consegue e a ilha na qual é forçada a viver a está matando aos poucos.

Quando Hyoyeon volta, Taeyeon havia decidido não jantar, ela encontra a irmã curvada sobre a cama agarrada a um ursinho de pelúcia com os olhos vermelhos e o rosto molhado. Hyoyeon suspira, senta ao seu lado e acaricia seu cabelo. Ela parece estar dizendo algo, mas Taeyeon não entende o que, nunca entendeu. As únicas coisas que ela conseguiu aprender através da irmã vieram por meio de escritos nos cadernos que Hyoyeon costumava carregar. Ela nunca fora capaz de ter uma conversa direta devido às suas limitações e isso a aniquilava por dentro – ser tão limitada.

E ela viu tristeza – tristeza nos olhos de Hyoyeon – e se sente terrível, porque ela é a causa de tal tristeza e não pode ou não sabe como fazer mais do que já faz para superar sua deficiência e encaixar-se na sociedade. Ela tem quinze anos e sua esperança já se encontra esmagada. Dizem que pessoas como ela nunca se tornam independentes, para sempre inúteis e dependentes de cuidados alheios. Taeyeon odeia isso, mas devagar começa a aceitar seu destino e nos olhos de Hyoyeon consegue ler o mesmo sentimento de desamparo.

Ela se sente mal por Hyoyeon e pela família. Estão tentando tanto torna-la útil de alguma forma. Estão cansados, e ela está cansada. Quando Hyoyeon inclinou-se sobre ela para dar-lhe um beijo de boa noite em sua cabeça Taeyeon se sente amada, mas indigna de tal amor. Ela não pode lhe dar nada em troca, ela não é razão de qualquer felicidade. Hyoyeon lhe disse uma vez que ela era a irmã que pediu aos pais mesmo tendo apenas dois anos. Ela a desapontou. Profundamente a desapontou.

Hyoyeon a deixa, saindo do quarto a passos leves, desligando as luzes e fechando a porta suavemente. Taeyeon não suporta a idéia de outra noite, não suporta a idéia de trazer-lhes mais um dia de peso nas costas. Ela chora novamente, baixinho contra o travesseiro azul claro. A noite é longa e guia Taeyeon a um grande abismo de dor. Ver novamente a luz do dia era razão suficiente para desesperar-se. Ao invés disso, deixa a cama enquanto o negro da noite ainda invade seu quarto e encontra seu lugar no armário.

Quando Hyoyeon aparece por lá pela manhã para prepara-la para a escola não a encontra na cama. Ela a encontra no armário quando se vira para procura-la, e de repente não há mais razões para a busca. Nunca mais haverá. O corpo de Taeyeon pende sem vida, uma corda em seu pescoço ligada ao teto do armário.

***

Flores, orações, leves pensamentos que tentavam não atormentar o lugar já tão mergulhado em tormento. Ao menos para a família Kim, ao menos para Hyoyeon, em negras roupas recusando-se a deixar o lado do caixão. Com as mãos para trás e os olhos fixos na madeira da tampa que os pais não quiseram deixar aberta, Hyoyeon tenta bloquear a mente sem sucesso para ter alguma privacidade – mas seu controle voa pelo espaço dominado pelas emoções e lembranças. Pena é o sentimento comum que ela percebe chegar de todos os lados, maior ainda é o sentimento baixo da resignação. Este ela o odeia.

Sente chegar um amigo da família perto de si, um tio sempre impaciente em lidar com Taeyeon em suas visitas, veste agora um terno negro impecável e a cara lavada. Repousa a mão em seu ombro como um grande amigo que não é, sua mente ressoando a fal