Completude

Completude

 

 

 

Céu estrelado.

Incrivelmente limpo de nuvens. Apenas as estrelas, aparentemente mais brilhantes aquela noite do que em outros dias, e a lua cheia ocupavam o espaço – formando um todo majestoso.

A lua apenas começara a surgir, sendo cedo da noite, e parecia agora estar mais perto da terra. Se olhássemos atentamente por um tempo talvez pudéssemos notar com clareza as manchas - crateras – que carregava. Mesmo a lua cheia não era livre de falhas, mas quão grandiosa era!

Tiffany se encontrava deitada no gramado por trás de sua casa, admirando o céu, iluminada pelas fracas luzes vindas de dentro da casa e a forte luz da lua. Ela tivera um dia cheio.

Ela sempre recebia visitas frequentes de amigos, mas aquele dia todos haviam ido visitá-la, e lá no fundo ela sabia o que aquilo significava. Esperava apenas ansiosamente pela chegada de uma pessoa em especial que ainda não surgira aquele dia. Onde estaria?

Tiffany mordeu o lábio, procurando concentrar-se no céu e menos no imenso vazio que sentia sempre que ela não estava ao seu lado.

Suspirou.

Ela tinha que vir.

Perdida novamente no brilho das estrelas, quase não sentiu quando alguém abaixou-se ao seu lado e prontamente deitou-se ao seu lado. Sua atenção voltou-se para a outra e seu rosto se iluminou finalmente num sorriso.

- TaeTae! – disse não escondendo sua felicidade.

- Estou aqui, Mushroom.

Ouviu Taeyeon dizer enquanto buscava sua mão, entrelaçando os dedos e levando à boca para um beijo. Tiffany aproximou-se recostando a cabeça em seu ombro e ambas se entregaram à atividade que mais gostavam de fazer recentemente: olhar as estrelas.

Desde que a condição de Tiffany piorara que ela havia precisado recolher-se em casa, fazendo o mínimo de esforço possível. Deitar na grama do quintal e observar o céu enquanto sentia a confortável brisa da noite era uma das poucas atividades que lhe restara fazer. E quando o fazia com Taeyeon sua felicidade podia ser considerada completa. Ela não precisava de mais.

Taeyeon não dizia nada, mas Tiffany podia sentir uma diferença notável aquela noite. A mão de Taeyeon falhava em dar-lhe o mesmo calor de sempre, fria do nervosismo que as batidas aceleradas do seu coração e respiração irregular entregavam sem demora.

Tiffany procurou sorrir, ignorando por um tempo tais indícios que apenas confirmavam seus pensamentos durante o dia. Ela estava tentando. E sentia que logo falaria algo, quando estivesse pronta.

Ela quebrou o silêncio primeiro.

- Sabe, uma vez eu li uma história infantil que comparava o ciclo de vida ao ciclo da lua. Crescente, Cheia, Minguante e Nova. Acho que é a forma mais natural de se imaginar e comparar...  As pessoas têm tendência a ver a metade da vida como o período mais brilhante dela e a morte a perda de tudo. Eu vejo diferente...

A atenção de Taeyeon havia se deslocado das estrelas para o rosto de Tiffany, semi iluminado e ainda assim tão brilhante. Sua voz tranquila, seu sorriso, o calor de sua mão. Quando foi que de repente ela deixou de ser aquela que conforta para ser a que é confortada? Seus papéis se trocaram aquela noite.

- Pra mim a lua cheia é o final do ciclo. – continuou Tiffany, ainda encarando o céu - É a concretização de tudo. É completude.

Taeyeon não sabia o que dizer. Sentia naquelas palavras que Tiffany já entendera, e enquanto lutava contra as lágrimas que teimavam em querer descer, procurava falar algo sem que fosse com a voz tremida.

Tiffany a encarou num sorriso.

Taeyeon analisou cada centímetro daquele rosto sorridente que tanto amava e nunca teve a coragem de confessar. Estava tão claro e evidente para todos esse sentimento, até mesmo pra Tiffany, e ela nunca o dissera.

Quando a condição de Tiffany piorou ainda assim ela manteve-se quieta. O medo de perder, o medo de não dar certo, o medo de jogar fora com uma confissão a única coisa que tinha e que poderia ser insuficiente para as outras pessoas, mas que para ela já era mais do que podia sonhar em ter.

- Hoje é minha lua cheia, não é, TaeTae? – perguntou Tiffany num sorriso compreensivo. – Você sonhou comigo, não foi?

Taeyeon mordeu o lábio inferior, e seu silêncio e seu olhar perdido apenas confirmaram mais uma vez o que estava acontecendo ali. Num impulso, ela puxou o rosto de Tiffany e deixou um beijo demorado em sua testa, afastando-se em seguida para encará-la nos olhos.

Tiffany sorriu ao sentir sua mão ser aquecida por Taeyeon. O calor que sempre sentira estava ali, de volta.

Taeyeon era vidente, e todos sabiam disso.

Atormentada desde a adolescência com premonições de mortes que não conseguia evitar, ganhou a chance de fazer algo quando Jessica, uma amiga que trabalhava para a polícia, finalmente acreditou em sua habilidade e a levou para trabalhar junto, como consultora.

As visões de Taeyeon agora tinham um propósito: avisá-la de assassinatos prestes a ocorrer e alertar a polícia para que algo pudesse ser feito a tempo. Várias vezes conseguiu salvar algumas da morte, pois que premonição nada mais é do que isso: um aviso. Não um destino cruel e imutável. Porque outro motivo Deus daria tal dom se não servisse de algo positivo?

Taeyeon acreditava nisso. Pôde finalmente encontrar alguma paz com sua habilidade quando percebeu que podia evitá-las.

Até o dia em que Tiffany caiu doente, e nem os mais conceituados médicos puderam reverter o processo. Seu coração simplesmente ficava cada dia mais fraco a olhos vistos, e eventualmente pararia de bater. Nada podia ser feito, era um daqueles casos que a medicina não sabia explicar o que acontecia.

Com o passar do tempo, Tiffany chegara a um estado crítico em que uma cirurgia teria maiores chances de matá-la do que curá-la. Não havia mais nada que os médicos pudessem fazer. Entre ficar num hospital ou em casa, ela preferiu a casa, e os amigos.

Preferiu poder olhar as estrelas todas as noites do gramado de casa.

Não era uma ironia que numa situação dessas Taeyeon tivesse sonhado com ela? Ela previra uma morte que, por mais cruel que fosse pensar daquela forma, não era mais uma dúvida para ninguém que ocorreria.

Ela sempre sonhara com mortes que podia evitar... Porque sonhara com aquela? Que espécie de piada era aquela em que simplesmente a convenciam da forma mais cruel que Tiffany morreria, naquele dia, àquela hora, daquela forma, e ela não poderia evitar. O que ela faria?

Nada.

Por mais que pensasse, ainda era nada.

Qual a utilidade de tal sonho?

Ela olhava para Tiffany agora, coração pesado, procurando as palavras certas.

Ela sempre pôde evitar. Sempre foi uma questão de chegar antes da pessoa que daria o tiro, ou que atiraria o carro, ou ativaria a bomba...

É possível fazer um carro parar, impedir uma mão de atirar, uma bomba de ser montada... Mas como é possível fazer um coração não parar de bater?

- Eu amo você. – as palavras vieram, incrivelmente firmes, como se fossem a única coisa da qual ela tivesse certeza no mundo. E ainda assim, vieram tão tarde.

Tiffany abriu um sorriso diante das palavras ditas pela primeira vez. Sua emoção era visível.

- Me desculpe por não dizer mais cedo... Eu não sei por que levei tanto tempo, fui burra...

- Eu sei.

A frase de Tiffany cortou seu pensamento. Ela olhou para Tiffany ainda com o olhar curioso, e esta apenas abriu ainda mais o sorriso carinhoso e sincero que trazia no rosto.

- Eu sei há muito tempo. – disse ela, divertida até com a expressão de espanto da garota menor deitada ao seu lado. – Eu sentia a cada minuto através dos seus olhares, da sua voz, do seu cuidado, da sua atenção... Sentia através de cada parte do seu ser que estava feliz simplesmente em estar comigo. E eu entendo que teve medo de perder isso. Eu não me arrependo... Cada segundo de amor silencioso que você me deu eu aceitei e aproveitei. E foi intenso como eu também senti ele dentro de mim, por você.

Taeyeon não sabia o que dizer. A voz de Tiffany era lenta, pausada, soava fraca e mesmo assim carregava tanta emoção. Ela era uma força resistindo na noite. Tinha tanta sorte de conhecê-la. Puxou novamente sua mão para um beijo.

- Eu tenho algo pra você.

Disse Taeyeon, abrindo um sorriso maior pela primeira vez, e vendo em Tiffany um olhar curioso.

Ela sentou-se puxando a mochila que havia deixado perto de si e tirou de dentro um conjunto de colares, prateado, mostrando em seguida à garota ainda deitada ao seu lado.

- Um Locksmith! – disse Tiffany, genuinamente feliz por ver tal objeto nas mãos de Taeyeon.

- Lembra que você me pediu que usássemos um tantas vezes? – sorriu Taeyeon. – Acho que não é tarde demais. Fui hoje à cidade buscar um e não descansei enquanto não encontrei.

- Nunca é tarde demais.

A voz ficava mais fraca a cada segundo. Os olhos de Tiffany já se encontravam semicerrados, e a respiração estava lenta. Mas ela mantinha o sorriso.

Taeyeon inclinou-se para prender a chave no pescoço da mulher à sua frente, e prendendo o coração em si mesma, voltou a segurar a mão da outra e a deitar-se junto dela, a olhando nos olhos.

- Tiffany Hwang, você é a única que tem a chave do meu coração. – disse, de uma forma tão melosa que Tiffany permitiu-se rir um pouco.

- Você sempre será meu coração, Kim Taeyeon.

Os olhos de Tiffany estavam quase fechados, e sua fala se resumia agora quase a sussurros. Tiffany Hwang, a dona daquele alto tom de voz, das brincadeiras barulhentas, parecia agora tão tranquila. Seu sorriso lembrava paz.

Taeyeon aproximou-se de seu rosto, e Tiffany pôde sentir os lábios tocarem os seus. Quentes, carregados de amor e paixão. Abriu a boca permitindo passagem. O primeiro e único beijo que experimentariam, mas ah... Tão especial! O beijo parecia uma carícia, lento, intenso. Todo o coração estava ali.

O beijo se desfez, e não havia tristeza ou despedida. Tais sentimentos se dissiparam no espaço. Os olhos de Tiffany ainda expressavam o brilho do sorriso que dava, sem cansaço. Taeyeon quis dizer algo, mas um dedo rapidamente calou seus lábios. Tiffany se pronunciou.

- Foi você quem disse que os que verdadeiramente se amam não precisam de palavras. – continuou Tiffany – E eu nunca precisei delas, TaeTae. Ter você como tive foi sempre mais do que eu podia desejar.

Taeyeon recebeu novamente aquele olhar. Aquele olhar que sempre se davam quando eventualmente se encontravam. Aquele olhar que carregava tanto significado e sentimento que palavras não conseguiriam traduzir. Como sempre aquele olhar não falhou em prendê-las.

Taeyeon se aproximou, buscou seus lábios, e num selo demorado sentiu Tiffany não mais corresponder.

Ao se afastar novamente notou que seus olhos permaneceram fechados.

E sua expressão... Tão serena.

Parecia... dormir...

Permitiu que uma lágrima caísse. Apenas uma.

Não havia motivos para tristeza.

Voltando a olhar para o céu encarou a lua, já no alto.

Não era perda.

Aquilo era completude.

Ponto máximo de um amor.

 

 

“Entre pessoas que verdadeiramente se amam e se importam uma com a outra,

Há momentos em que não é preciso dizer nada.

Aquelas emoções difíceis de se expressar em palavras.

Coisas como “Amo você” e “Obrigado”,

Não é realmente necessário dizê-las.”

 

Kim Taeyeon

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Comments

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Gabizynha #1
Chapter 1: Ain, que lindo .__.
Ja tinha lido essa one-shot.. Mas me emocionei de novo agora :/
A Fany morreu T_T
Final meio triste, mas muito bom! Obrigada por postar aqui (: