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Cartas Do Futuro

Dia 27, Mês 7, Ano 2026

 

Querida Tiffany,

                Me desculpe por usar as últimas páginas e a parte de trás de seu livro favorito para lhe escrever isso, mas sei que ficaria mais chateada ainda caso eu usasse papel de verdade. Você não me perdoaria nunca por tirar uma folha de papel sequer das crianças.

                Que crianças? Ouço você perguntar. Tudo ao seu tempo, minha querida. Vamos começar do começo:

                Como todos diziam há anos, as armas usadas na terceira guerra mundial eram bioquímicas. Estima-se que dois terços da população está morta, e nós sabemos da localização de menos de um to dos vivos. Desses últimos, parte vive em colônias em locais não atingidos pelas bombas, e o resto vaga por aí. Sei disso por que eu era uma dessas. Sobreviventes andando em grupos, em busca de algum seguro, onde os mortos não podem te atingir. Não ria, consigo ouvir você rindo. É verdade. Não me lembro o porquê da guerra ter começado, mas a tensão no ar era quase palpável. Vistos eram cancelados, casas eram invadidas e queimadas, e centenas de pessoas morriam todos os dias. Ninguém sabia onde era seguro, até que a primeira bomba foi jogada. Foi o caos. Achamos que com isso a guerra acabaria. Os países vencedores seriam coroados com petróleo e dinheiro. Os perdedores sofreriam retaliação.

                Mas os mortos voltaram. Às vezes, quando chegamos ao nosso quarto, discutimos por horas sobre o motivo. Você acha que foi um acidente, que o objetivo não era trazer os mortos de volta a vida, mas sim fazê-los funcionar por mais tempo e eliminar qualquer desejo não relacionado às necessidades básicas, para que fossem usados como mão de obra barata. Que retaliação seria maior do que fazer os governos perdedores de idiotas, fazendo-os ceder não apenas de suas riquezas, mas também de sua população?  Já eu não concordo. Acho que o objetivo desde o começo era transformá-los em mortos vivos, e fazê-los destruir seu próprio país. Tornando os perdedores uma ameaça e depois vendendo a cura. O único problema nesse plano foi que isso saiu do controle.

                Mas minha opinião e nossas discussões não importam a agora. Essa carta e sobre você. Como quase tudo em minha vida.

                Antes da guerra, você se mudou para a Coreia do Sul, para terminar sua especialização perto de seus irmãos. E você estava lá quando a guerra começou, e também quando os mortos voltaram. Quando conseguiu achar uma colônia segura, não existiram problemas para sua permanência. Você começou ajudando as pessoas, por falar várias línguas. E o seu jeito de lidar com elas, o modo como você se dedicava ao que fazia... Você era ótima. Isso durou pouco, no entanto. A área foi invadida, e a colônia destruída. Um grupo grande conseguiu escapar, mas conforme os dias passavam, as pessoas iam morrendo. Nós duas fazíamos parte desse grupo.

                Salvei sua vida algumas vezes durante a fuga, e apesar de não termos nos dado bem no começo, você valeu cada tentativa. Algum tempo após a destruição da colônia, nós chegamos a outra base. Era uma base antiga do exército, ativada após a guerra, e bem maior que a colônia que estávamos. Compará-las seria como comparar a Rússia com o Japão. É mais seguro que a anterior, e apesar de ataques frequentes, conseguimos viver bem aqui.

                Você foi designada a Área 02 da base, onde fica a escola e a fábrica. Apesar de saber muitas línguas, você lida com crianças pequenas, ensinando-as sobre os dias antes da guerra e várias outras coisas. No começo, fiquei numa área bem longe da sua, mas agora trabalho na fábrica. E como chegamos à base no mesmo período de tempo, ficamos no mesmo compartimento. Trabalho como soldado, caso esteja se perguntando. Sou um das responsáveis pela segurança da fábrica caso ocorram ataques.

                Dividíamos compartimento com outras mulheres, mas com o tempo, ficamos só nós duas. Em parte por que a maioria morreu, em parte por que a base cresce a cada dia, não há mais tanta luta por espaço. E mesmo havendo um longo tempo entre quando começamos a viver na base e quando começamos a morar sozinhas, nós não havíamos trocado mais que uma ou duas palavras.

                A primeira vez que tivemos uma conversa de verdade foi alguns dias após nossa última companheira de compartimento ter se mudado para outra área. Nesse dia, você havia saído tarde da escola, e como estava preocupada de você voltar sozinha, esperei para te levar para casa. Não falamos nada durante parte do caminho, até eu te perguntar como você estava naquele dia. Você riu tanto que eu cheguei a parar de andar, algo que nunca ocorre. Veja bem, era noite, cerca de três horas após o toque de recolher, e estávamos sozinhas no meio de um dos caminhos que leva aos compartimentos. Ninguém faz isso. Seria como parar no meio de uma rua deserta e perigosa, sabendo que a qualquer momento alguém pode chegar e tentar te comer, literalmente. E que se você encontrar um oficial no caminho, ele não será gentil, você será levado a interrogatório e farão uma série de testes em você, mesmo sendo um soldado. É melhor ser encontrado por um morto vivo do que ser encontrado por um oficial vagando pelo meio da noite.

               O fato é que eu parei, e você parou também, ainda rindo. Eu lhe encarei, inquieta, e segundos depois, comecei a rir junto com você. Era uma pergunta idiota, e você sabia disso. Até hoje eu me pergunto quando foi que perguntar para alguém se está tudo bem se tornou algo idiota, desnecessário.  De todas as abordagens e perguntas, eu havia escolhido a pior possível.

                Mas foi bom. Você riu, e percebi o quanto eu gostava daquele sorriso. A partir daquele dia, passamos a esperar uma a outra para voltarmos juntas para casa. Até hoje fazemos isso. Comemos no refeitório quando temos tempo, e quando você tem que ficar até mais tarde, eu pego algo “emprestado” na cozinha para nos jantarmos.

                Você ama morar sozinha comigo, a propósito. É mais fácil assim. Limpamos juntas o compartimento minúsculo, com duas camas e um guarda-roupa. O que é meu fica nas gavetas, e o que é seu fica na parte de cima. É simples. Não que tenhamos muita coisa, já que não existe mais dinheiro.

                Tudo o que temos é usado, e mesmo sabendo disso, sabendo que o temos já passou por várias mãos e donos, você aceitou o anel que lhe ofereci, um dia. De repente passamos de companheiras de compartimento para amantes. E apesar de você dizer que não precisava, eu lhe deu um anel de presente, para selar isso.

                Não sei como se sente sabendo de tudo isso, mas saiba que nossa vida é maravilhosa. Eu estou aqui para você. Você encontrou sua segunda família, minha querida, e se pudesse ver o rosto das crianças olhando para você, tenho certeza de que não deixaria nenhum problema ficar entre você e nosso futuro. Gostaria de verdade que pudesse vê-las. Você as faz lhe dar um beijo na bochecha cada vez que entram na sala de aula, e sempre levanta as mais novas do chão. Você diz que é o riso delas que a mantém viva.

                E se você acha que as coisas por aí não estão boas e que seu futuro não vale a pena, eu lhe digo: Você está enganada. Aguente firme. Não deixe de acreditar no que você é, por que você é maravilhosa. São suas falhas, erros e escolhas que fazem você ser você, Tiffany Hwang. Sem seu passado, o futuro que lhe espera seria diferente, e acredite, eu vejo em seus olhos, todos os dias, que você não gostaria que nada fosse diferente.

                Se não puder continuar pela você-no-passado, continue pela você-no-futuro.  Continue pela professora e mãe que existe em você. Por mim. E por Seohyun, Yoona, Yuri e por todo o resto dos seus alunos.

                Para sempre sua, Kim Taeyeon.

 

-x-

 

Eu sei que eu deveria atualizar minha outra Fanfic, mas não resisti, eu precisava escrever essa antes que as ideias fugissem... Atualizarei 'Secret Things' em breve.

Espero que tenham gostado da história, e por favor, comentem para que saiba no que melhorar na próxima vez.

Obrigada pela leitura!

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Thank you!

Comments

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Doradora
#1
Chapter 1: Bem diferente, adorei!
Tem continuação? Espero q sim ^^
beatrizb
#2
Chapter 1: Ai meu Deus!! Simplesmente amei. ;-;
Continua?
SouUmMushroom
#3
gostei!!
continua continua ^^
daniela1894 #4
Chapter 1: eu gostei, continue