O céu ainda estava escuro quando o despertador tocou. E não demorou nem três segundos para que a figura adormecida na cama se levantasse apressadamente, desligando o aparelho em um reflexo certeiro. Aquele seria um dia cheio, e Nicole não podia se dar ao luxo de ativar a função soneca de seu celular.

Não se espreguiçou e nem ao menos bocejou, apenas abriu o armário e pegou suas roupas, indo em direção ao banheiro. Já tinha acordado no pique. Enquanto esperava a banheira encher o suficiente, tirou sua camisola em uma velocidade impressionante. Mesmo que toda aquela pressa não fosse necessária, – afinal, Nicole sempre acordava cedo o suficiente para chegar no horário – ainda sim era uma ótima forma de driblar o seu mau humor matinal. Se ela fingisse a si mesma estar atrasada, não lhe sobraria muito tempo para ficar irritada.

A rotina de modelo havia ensinado esse tipo de “estratégia” a ela. Depois de cinco gloriosos anos de carreira, passados rapidamente, como se fossem apenas cinco meses, o rosto de Nicole já era o mais cobiçado entre as melhores agências de publicidade em Seul. Seu corpo esbelto, porém curvilíneo, era invejado por nove a cada dez mulheres. Ela era uma inspiração para as adolescentes, o sonho de qualquer garoto. Atraía a atenção inteiramente para si por onde passava. Seus olhos pequenos e misteriosos eram seu charme mais característico. Tudo em seu rosto era harmoniosamente belo. Nicole tinha o poder de tirar o fôlego de quem quer que fosse, homens e mulheres caíam aos seus pés e isso não era nenhuma novidade.

Após o breve banho Nicole seguiu com seu cronograma de arrumações, apelidado por ela de: Flash da manhã. Cabelo, roupa, maquiagem e a difícil escolha de um sapato entre os incontáveis de seu closet. Passados quarenta e cinco minutos o café da manhã estava servido à grande mesa. Um suco natural de uva-verde com hortelã e pão integral com geleia de morango era o que mantinha Nicole forte durante sua longa manhã de segunda-feira.

— O carro já está à sua espera, Srtª Jung. — Aurora, a governanta da casa, mantinha a porta da frente aberta, queimando no sol forte de verão enquanto Nicole vagarosamente levantava da cadeira.

— O que achou do sapato de hoje?

— É muito bonito.

— Você disse isso ontem, Aurora. — Apesar da disposição, Nicole tem um péssimo humor pela manhã.

— Mas o de ontem era bonito também. 

— Claro que era, mas ficar repetindo os mesmos elogios todos os dias é entediante. — Suspirou. — Preciso de motivação, entende? 

— Sinto muito. — Desculpou-se.

— Sinto muito, Aurora? Conhece “me desculpe” ou “perdoe-me”?

— Me desculpe.

— Não fique repetindo o que eu digo, seja criativa.

— Sinto...

— Tudo bem, já chega. Estou indo agora.

Nicole pegou sua bolsa e saiu porta afora, e antes mesmo que pudesse pôr a mão na frente do rosto para tapar o sol, um de seus seguranças apareceu ao seu lado, carregando uma sombrinha roxa, um presente que havia dado a si mesma em uma de suas viagens ao exterior. Os dois caminharam lado a lado até a porta aberta do conversível. O segurança, que também era motorista, fez a volta pelo carro e dirigiu até o majestoso prédio da Nic Fashion Corporation.

Ao chegar lá, o motorista, como fazia todos os dias, abriu a porta do carro para Nicole.

— Espero que tenha um ótimo dia hoje, Srtª Jung! — Ele sorriu, sempre era muito simpático apesar do tratamento que levava em troca.

— Tá, tá... — Ela apenas gesticulou com a mão enquanto se afastava, sem demonstrar muita empolgação.

A partir daquele momento, Nicole começou a contar os segundos. Em três, ela conseguiu pôr seus óculos escuros. Em cinco, olhou para os lados e para a multidão que já começava a se formar. E em sete, foi abordada por mais dois de seus seguranças, que abriam caminho entre os milhares de fãs que tentavam chegar perto dela. Essa era sua rotina. Alguns de seus admiradores costumavam ficar de tocaia do lado de fora do prédio, logo cedo, pois tinham conhecimento de todos os horários de Nicole. Talvez até mais conhecimento do que a própria.

Depois de longos e tortuosos dez minutos no meio de todo aquele édio, ela finalmente chegou até a porta de sua agência. Foi recebida com muitos sorrisos carinhosos e outros nem tanto de seus colegas e também funcionários. Nicole não fazia muita questão de ser simpática, mas sua popularidade lhe dava um certo carisma. Muitas das pessoas com quem trabalhava tinham medo dela, ou apenas nutriam alguma inveja. Apesar dos pesares, Nicole não era uma pessoa difícil como parecia ser. E só uma pessoa a conhecia bem o suficiente para saber disso.

— Ah, aí está você. — Disse a mulher que repentinamente começou a andar ao seu lado, a acompanhando. — E como sempre, no horário.

— Não lhe dou motivos para se decepcionar. — Esboçou um breve sorriso para Hara, sua agente.

— Então, pronta para o trabalho? — Ela estava prestes a citar o primeiro compromisso de Nicole.

— Cancele tudo.

— Como? Comece tudo? — Hara tentava acompanhar os passos rápidos de sua chefe. 

— Can-ce-lar... — Pronunciou lentamente enquanto entrava em sua luxuosa sala, o lugar onde passava grande parte do dia.

— Devo mandar os modelos embora então? Pense bem no que vai fazer, esse é o seu trabalho e o prazo para a campanha “Corpos que ardem: Moda íntima” está no fim. — Hara deu as costas e continuou. — É uma ótima oportunidade e vai dar bastante lucro e publicidade para a empresa.

— Você tem que parar com esses joguinhos da mente. — Nicole revirou os olhos. — Tudo bem, apenas a seleção de modelos por hoje.

— Ok. — Hara saiu da sala saltitante, mas logo retornou a seu estado formal.

No estúdio de fotografia do terceiro andar, a fila de homens seminus era extensa. Todos pareciam muito nervosos, afinal, fotografar com a grande estrela Nicole Jung, a acionista majoritária de uma das maiores empresas de Seul era algo que devastava os pobres corações. Enquanto esperava em uma cadeira giratória, a qual ficava girando inquieta ao mesmo tempo em que fazia cara de nojo para o ensaio individual de alguns modelos, Nicole teclava atenta em seu celular. Um breve desvio de seus olhos castanhos amendoados foi suficiente para lhe roubar toda a atenção.

— Vocês três aí... — Apontou Nicole para os primeiros da fila. — Dá licença.

— Nós? — Os rapazes já com lágrimas nos olhos.

— Sim, saiam da minha frente. — Suspirou. — Você aí, vira o corpinho pra mim.

Atrás dos três dispensados havia um moreno com um lindo sorriso cintilante.

— Número sete? — Perguntou ela. — Chega mais perto, não tô enxergando.

— Meu número é sete, me chamo Park Jungmin, mas se ficar mais fácil pra senhora me chame de Romeu.

— Romeu? — Nicole riu sem som. — Uma graça você. — Sacudiu a cabeça levemente, estava admirada não só com o apelido fora do comum, mas também com a presença do rapaz, que destoava dos outros modelos aparentemente amedrontados. E, de súbito, Nicole se lembrou dos outros, olhando em volta sem focar no rosto de nenhum deles. — E vocês aí? O que estão esperando? Já temos um escolhido. — Bateu palmas, como uma forma de agilizar a saída dos outros rapazes. Eles entenderam o recado imediatamente e se dispersaram em pequenos grupos para fora da sala, até que só restassem Nicole e Jungmin na sala. Ela se aproximou devagar do jovem seminu à sua frente, o rodeando enquanto analisava cada centímetro daquele corpo minuciosamente com seus olhos ágeis e certeiros. Havia, de fato, feito uma ótima escolha. O porte atlético de Jungmin, porém com músculos delicadamente trabalhados, seria um ponto alto para a campanha. — Então, Romeu... — Deu ênfase, enquanto apoiava o antebraço no ombro do moreno, que virou o rosto. Trocavam olhares. — A julgar pelo apelido, você deve ser bem galanteador. Ou estou errada?  

Ele riu-se, mostrando mais uma vez seu lindo sorriso. Um sorriso que tinha algo de especial, algo que deixava Nicole com vontade de retribuir o gesto. Mas ela se manteve firme.

— Eu não diria galanteador, isso pode trazer muitas interpretações erradas sobre mim... — Nicole ergueu uma sobrancelha, curiosa.

— E qual delas seria a mais correta?

— A mais romântica. — Ela sorriu, satisfeita. Ele não hesitava em lhe responder, e a americana gostava disso.  

Nicole desviou sua atenção para o resto do estúdio. Não estavam completamente sozinhos, alguns dos fotógrafos e maquiadores percorriam o local, mas nenhum deles os olhava, nem mesmo pareciam ter notado a presença dos dois. Focavam em qualquer outra coisa, com medo de cruzarem com o olhar da chefe sem a permissão adequada. Temiam pelo próprio emprego, uma vez que Nicole já havia decretado diversas demissões relâmpagos em seus piores dias.

— Tudo bem. — Disse ela, de repente, deixando Jungmin confuso. — Faremos um teste então.

— Um teste? Agora?

— Sim. Por quê? Não se sente pronto? — Sorriu, convencida, disposta a arrancar qualquer suspiro de preocupação do rapaz. Mas ele não parecia nem um pouco abalado.

— Estou preparado. — Assentiu, vendo Nicole rapidamente se virar em direção ao fotógrafo.

— Ei, você! — Apontou com o queixo para o rapaz que ajeitava a câmera.

— S-sim, Srtª Jung?

— Vamos fazer uma sessão — Apontou para si mesma e para Jungmin. — Coisa pouca, dez closes, não quero cansar o rapaz. — Olhou para o moreno, sorrindo misteriosamente. — Não ainda.

— Bastidores para preparar a maquiagem, Srtª? — Uma das assistentes chegou perto de Nicole, visivelmente com medo de uma resposta negativa.

— Querida, eu já nasci com o rosto preparado. — Respondeu sem nem ao menos olhar para a jovem moça. A assistente assentiu já cabisbaixa, saindo rapidamente de vista.

Jungmin observou a interação das duas o tempo todo. Não se surpreendeu diante do comportamento de Nicole, na verdade, já esperava algo parecido. Apenas ficou um pouco receoso por não ter sido tratado da mesma forma. Talvez fosse pelo lucro que ele pudesse trazer para a agência, mas algo nos olhos da possível futura chefe lhe transmitia um certo conforto. Como se não tivesse motivos para sentir medo dela, assim como todos os outros à sua volta.

— Acho que podemos começar as fotos. — O fotografo já posicionado estava impaciente. — Queridos, vamos lá, enquanto vocês conversam novas borboletas saem do casulo.

— Borboletas? — Jungmin pareceu confuso.

— Você é uma linda borboleta negra pronta para voar, e se precisar...

— Tira o olho Fred! — Nicole lançou seu olhar fulminante. — Comece logo antes que eu corte sua asinhas de inseto.

— Tudo bem, quero ver contato, pele na pele. — Disse o fotografo enquanto os flashes iluminavam o cenário.

— Assim? — Nicole deslizava seus dedos pelo braço forte de Romeu.

— Você faz melhor do que isso. Pega nele.

— Assim? — As unhas de Nicole deixavam marcas pelo abdômen bronzeado de Jungmin. — Ou assim?

— Isso, prazer! — Os flashes seguiam e Fred estava cada vez mais delirante. — Domine-a Romeu. 

— Como? — O moreno tinha um corpo perfeito e um lindo sorriso, mas seu pensamento era lento.

— A cintura dela... Pegue na cintura dela. — Suspirou. — Mais perto, menino.

— Acho que já temos o suficiente. — O último flash disparou e um semblante veloz atacou Nicole. — É apenas um teste. Se eu calcular quantas vezes o botãozinho dessa sua câmera fotográfica foi apertado por você, Frederico Yamanzine; com toda a certeza, vinte e duas fotos  e meia, pois minha cara na última foto não tem valor integral, não é o padrão dos testes de nossa empresa. — Hara fechou os olhos por dois segundos e continuou. — Prossigam com os testes individuais, não queremos inundar o terceiro andar com lágrimas de noventa e nove modelos chorões.

— Hara, amada, já temos o nosso modelo. — Nicole tentava explicar com olhos singelos. — Não acredito que vou dizer isso, mas ele é uma linda borboleta.

— Borboleta? — Hara e Jungmin se entreolharam confusos.

Com o modelo escolhido exclusivamente por Nicole, o expediente da nossa estrela acabou; pelo menos na Nic Fashion Corporation. Hara deixou bem avisado sobre um evento no dia seguinte, mas Nicole não pareceu se interessar muito, ela tinha, ainda, outros assuntos a tratar com Jungmin. Assim como borboletas recém-saídas do casulo, Nicole e Romeu voaram rápidos em direção ao prazer.